A biblioteca de... Silvia Maria Fávero Arend
A partir de entrevistas curtas, a série “A biblioteca de...” é um convite para nossos leitores conhecerem mais o universo de nomes importantes da historiografia. Aquele ou aquela que nos inspira pode indicar caminhos de leitura fundamentais para o nosso aprendizado. Por isso, conhecer o que essas referências leem é mais do que uma simples curiosidade: é, antes de tudo, um modo de descobrir novos horizontes de saber.
A convidada desta edição é a historiadora Silvia Maria Fávero Arend. Graduada em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre e Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É professora do curso de Graduação em História e dos Programas de Pós-graduação em História e em Educação, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É coordenadora do Laboratório de Relações de Gênero e Família (LABGEF) e membro do Instituto de Estudos de Gênero (IEG/UFSC). Realizou estágio pós-doutoral na Fondation Nationale des Sciences Politiques (Sciences Po/Paris) e na Universidade Nova de Lisboa (Lisboa/2018). É coordenadora do Grupo de Trabalho de História da Infância e Juventude da ANPUH-nacional. Foi a representante do Brasil na equipe que coordena a Red de Estudios de Historia de las Infancias en América Latina (REHIAL), entre 2015 e 2021. Foi diretora de Pesquisa e Pós-graduação, do Centro de Ciências Humanas e da Educação, da UDESC (2013-2016). É editora da Revista Tempo & Argumento do PPGH-UDESC. É Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq.
Que livro você recomenda para quem está iniciando na área de História?
Sugiro dois livros que abordam questões de caráter epistemológico da disciplina. Li a obra “A escrita da História”, de autoria de Michel de Certeau, durante o meu curso de graduação em História, no final da década de 1980. Muitas das reflexões realizadas pelo historiador francês em relação às fontes e à construção da narrativa me acompanham até os dias de hoje. A outra obra li mais recentemente, quando as minhas pesquisas caminharam para a área da História do Tempo Presente. O livro “Usos e abusos da História Oral”, organizado pelas historiadoras brasileiras Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado, nos leva a refletir sobre o ofício do historiador quando confrontado com os problemas do campo do político, dos usos do passado e as suas dimensões ético-políticas.
Qual foi o livro que você mais gostou de escrever?
Na minha trajetória acadêmica produzi dois livros autorais e algumas coletâneas acerca da História da família e das infâncias. Hesitei bastante, mas acabei publicando a minha tese de doutorado, que gostei muito de escrever, em formato de livro. A obra “Histórias de abandono: infância e justiça no Brasil (década de 1930)” acabou me dando muitas alegrias, pois foi lida e criticada por historiadores brasileiros e de outros países da América Latina. Em 2023, juntamente com o historiador Humberto Miranda, organizei uma coletânea que me é também muito cara. A obra “‘Os tempos da Justiça’: história, infâncias e direitos humanos na América Latina” tem como foco as similaridades e/ou singularidades no processo de introdução de direitos para a população infantojuvenil latino-americana nos séculos XX e XXI. Além da contribuição para a historiografia, as reflexões presentes no livro poderão auxiliar na elaboração de políticas sociais em nível nacional e internacional.
Que livro que você escreveu teve maior repercussão e crítica? A que atribui isso?
O livro “Casar ou amasiar? A família popular no final do século XIX”, fruto de minha dissertação de mestrado, foi muito citado especialmente em investigações sobre o Sul do Brasil. O texto, redigido sob o enfoque da História Social, era bastante inovador na década de 1990. É importante lembrar que os estudos acerca das famílias brasileiras geralmente eram produzidos a partir da ótica da História Demográfica. Eu realizei uma análise buscando descrever relações sociais que se estabeleciam entre os pobres urbanos no âmbito da família tendo em vista às relações de gênero, raça/etnia e classe social. Possivelmente este fato também tenha contribuído para a difusão e crítica da obra.
Qual livro de História do Brasil é obrigatório ter na estante?
Pergunta de difícil reposta para uma docente que leciona História do Brasil por mais de 25 anos. No meu campo de estudos, os quatro volumes da coleção “História da vida privada no Brasil”, organizada pelo historiador Fernando Novais, são de fundamental importância. De maneira geral, os capítulos que compõem os quatro volumes foram construídos a partir de debates historiográficos e análise de fontes, apresentando intepretações inovadoras para um conjunto de temáticas relativas à “vida privada”. Chamo a atenção também para a excelente curadoria realizada em relação às imagens presentes nos quatro livros.
Em sua biblioteca, tirando suas próprias obras, qual autor(a) está mais presente?
Outra pergunta difícil! As obras do pensador Michel Foucault estão presentes em grande número na minha estante. Utilizo seus referenciais teóricos relativos ao poder em minhas pesquisas sobre a História das Infâncias e da Família, além de outros autores que dialogam com Michel Foucault, tal como Achille Mbembe. Minha estante também é composta, em grande medida, por obras de pesquisadoras e pesquisadores nacionais e internacionais das áreas das relações de gênero e família e dos estudos acerca das infâncias e juventudes. A listagem é bem grande... Citarei apenas cinco autoras cujas reflexões me fizeram alterar rotas nas investigações: Joan Scott, Joana Maria Pedro, Margareth Rago, Isabella Cosse e Susana Sosenski.
Qual foi o último livro que você leu e que lhe marcou?
Nos últimos tempos li três livros que provocaram impacto nos meus estudos. A obra do historiador belga Berber Bervenage, “História, memória e violência de Estado: tempo e justiça”, me fez repensar sobre as múltiplas camadas de discursos e experiências presentes na produção e aplicação da Justiça para as pessoas, especialmente as do Sul global. Já o livro “Direitos humanos e usos da História”, composto de ensaios de autoria do historiador Samuel Moyn, é uma excelente síntese sobre a emergência, consolidação e crítica acerca do discurso do Direitos Humanos no Ocidente. No âmbito da literatura, a narrativa “A guerra não tem rosto de mulher”, da jornalista Svetlana Aleksiévich, me colocou questões sobre temáticas relativas à biopolítica até então não pensadas por mim.
Qual o seu livro preferido fora da área de História?
Durante minha vida acadêmica, dialoguei com muita frequência com os antropólogos e os juristas. Não vou citar livros, mas sim dois pesquisadores que estiverem presentes em muitos momentos na minha trajetória de investigadora: a antropóloga social Cláudia Fonseca e o jurista Giorgio Agamben.
Qual tema você pretende abordar no seu próximo livro?
Pretendo publicar um livro que sintetize a complexa introdução e consolidação dos direitos para as crianças, adolescentes e jovens no Brasil nos séculos XX e XXI. Gostaria muito que a narrativa fosse lida também por outros profissionais – juristas, pedagogos, profissionais do Serviço Social, psicólogos etc. –, que atuam no sistema de garantia de direitos no Brasil.
Comments