A coleção Brazil´s Popular Groups e o soft power estadunidense
Atualizado: 8 de dez. de 2022
Considerada a instituição cultural mais antiga dos Estados Unidos, a Library of Congress (LOC) possui um acervo internacional sem paralelos. O material reunido em uma de suas coleções, a Brazil’s Popular Groups: a Collection of Materials Issued by socio-political, Religious, Labor and a Minority Grass-roots Organizations (BPG), adquiriu novos signos ao longo do tempo. Independentemente do que comunicavam e a quem se direcionavam, a partir do momento em que os folhetos, publicações seriadas e pôsteres relacionados a movimentos sociais brasileiros passaram a integrar a BPG, foram-lhes atribuídas novas funções – entre as quais, compor essa coleção e, ao mesmo tempo, contribuir com o processo de internacionalização do acervo da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Esta é considerada a maior biblioteca nacional do mundo, contendo milhões de livros, filmes, vídeos, gravações sonoras, fotografias, jornais, mapas e manuscritos em suas coleções.
Na BPG, os materiais se tornaram prioritariamente fontes de pesquisa sobre a história política e social brasileira de tempos recentes e permitem eventuais paralelos com outros países e suas sociedades, uma vez que na Library of Congress existe grande quantidade de obras oriundas dos mais diversos locais do mundo. Todas fazem parte de fluxos contínuos de busca e intercâmbio internacionais firmados ao longo de anos pela LOC, num movimento deliberado de consagrar o seu lugar como a maior biblioteca da atualidade.
Para Bruno Latour (2000, p. 21), as bibliotecas são como “o nó de uma vasta rede onde circulam não signos, não matérias, e sim matérias tornando-se signos” e, de fato, na Library of Congress não é diferente. Os “fios” das coleções nacionais e estrangeiras que a instituição forma, com base nos materiais diversos que angaria permanentemente pelo mundo, se entrelaçam nos armários e prateleiras de sua sede em Washington. Assim, o “nó” caracteriza o inusitado encontro da grande diversidade de seu acervo geral, que é um imponente mosaico de conhecimentos e fontes documentais por meio do qual a instituição constrói e projeta permanentemente para si o significado de uma poderosa e prestigiada biblioteca nacional, cujo patrimônio cultural que guarda tem escopo universal sem limites de tema, formato, idioma ou nacionalidade.
O lugar da BPG na Library of Congress
Sob o selo dessa monumental instituição, a coleção Brazil’s Popular Groups reúne materiais efêmeros variados, impressos por diversas organizações de grupos populares brasileiros dos últimos cinquenta anos. Todos apresentam pequena tiragem, curta duração e foram produzidos no Brasil a partir da década de 1960. Apesar de a coleção ter sido iniciada nos anos 1980, ela incluiu documentos mais antigos. O conjunto inicial da BPG teve a periodicidade estipulada entre os anos de 1966 e 1986.
Após a organização inicial da BPG, o Rio de Janeiro Overseas Office, escritório de representação da LOC no Brasil, continuou a reunir tais materiais, produzindo séries suplementares e assegurando a continuidade da produção da BPG até 2018, quando finalizou a organização de seu último suplemento, referente ao ano de 2016. Isso ocorreu porque, no final de 2017, a Library of Congress fez um acordo com a Princeton University Library para digitalizar os materiais que viriam a ser coletados pelo Rio Office para a BPG, finalizando assim a produção desta. A última configuração da BPG estipulada pelo Rio Office subdividia os materiais nela apresentados em 14 categorias, traduzidas a seguir:
1. Reforma agrária e questões de terra
2. Criança e juventude
3. Educação e Comunicação
4. Meio ambiente e ecologia
5. Grupos étnicos – Negros
6. Grupos étnicos – Índios
7. Grupos étnicos – Outros
8. Homossexual e Bissexual
9. Direitos humanos e civis
10. Trabalho e classes trabalhadoras
11. Partidos politicos e questões políticas
12. Organizações religiosas, grupos e movimentos
13. Ativismo urbano
14. Mulheres e feministas
Para facilitar a compreensão em relação ao teor geral do conteúdo da BPG, abaixo encontram-se as primeiras páginas de determinadas publicações que integram algumas de suas categorias:
Imagem 1: FETAPE: Pernambuco, 1974 Imagem 2: FNT: São Paulo, 1982. Imagem 3: CEDAMPO: Campo Grande, 1986.
Desde a primeira produção da coleção, seus materiais eram selecionados e organizados no Rio Office, localizado no Consulado Geral dos Estados Unidos do Rio de Janeiro. De lá, eram remetidos para a sede da Biblioteca do Congresso, em Washington, D.C., onde passaram a ser microfilmados a partir de 1988. A microfilmagem possibilitou maior acesso aos pesquisadores, permitindo que a coleção sobre movimentos sociais do Brasil contemporâneo se espalhasse por instituições de ensino e pesquisa ao redor do mundo. Desde o início de sua primeira produção, a Biblioteca do Congresso produz e vende cópias da BPG para as instituições interessadas, o que favoreceu sua presença em dezenas de universidades e institutos de pesquisa, especialmente norte-americanos. De acordo com a base de dados do acervo da Library of Congress, atualmente, mais de trinta instituições estadunidenses possuem a BPG em formato de microfilme.
O expressivo interesse dessas entidades se relaciona com o movimento desencadeado nos Estados Unidos de busca por fontes de informação sobre outros países a partir dos anos 1950. Em meio ao acirramento da Guerra Fria, essa articulação ganhou força com a publicação do National Defense Education Act (NDEA), em 1958, que formalizou a existência de uma ligação direta entre os campos da educação e da defesa nacional. Observou-se então a formação de um campo intelectual sobre a realidade política e social de países de todos os continentes, que se instrumentalizou por incentivos educacionais financiados por programas relacionados ao NDEA e a outros dispositivos legais lançados à época.
Passaram a ser criados centros de estudos, bibliotecas especializadas e um sistema de colecionamento de documentos estrangeiros cada vez maior e mais centralizado. Tal sistema focava na efetiva produção de conhecimento político, cultural e econômico de outras nações – especialmente as que emergiam no cenário mundial e passavam a integrar o grupo do então nomeado terceiro mundo –, de forma a instruir as políticas norte-americanas na nova esfera internacional que se formava. Uma das ferramentas utilizadas para a construção desse campo intelectual foi o Title VI do NDEA, que incentivava o conhecimento de línguas estrangeiras, alocando investimentos nessa direção. Segundo dados apresentados por Ralph Hines, diretor do Departamento de Educação Internacional do Programa de Serviços de Educação dos Estados Unidos de 1998 a 2007, antes da aprovação do NDEA, o ensino de algumas das línguas faladas por mais de 3/4 da população mundial estava sendo oferecido a alunos norte-americanos em colégios e universidades de forma muito tímida, pois não existia número suficiente de estudiosos para realizar pesquisas nessas línguas ou mesmo para ensiná-las. Para atender à necessidade de formar especialistas, no primeiro ano após a aprovação do NDEA, foram financiados dezenove centros de estudos internacionais, 171 bolsas de estudos, vinte projetos de pesquisa e dezesseis institutos de línguas estrangeiras foram fundados. Em 1963, após quatro anos da implantação do Title VI, este já havia financiado 55 centros e 904 bolsas de estudos, 33 projetos de estudo e pesquisa e 83 institutos de línguas estrangeiras (HINES, 2001, p. 6-7).
De acordo com David Wiley, então diretor do Centro de Estudos Africanos da Universidade Estadual de Michigan, antes dos efeitos do NDEA, o híndi, por exemplo, era estudado por apenas 23 alunos nos Estados Unidos. Nesse momento, a Índia já era considerada o maior Estado democrático do mundo líder do Movimento dos “Não-Alinhados”, que reunia aproximadamente 120 países. Prometendo manter a independência em relação a ambos os lados da Guerra Fria, os Estados que aderiram ao Movimento dos Não-Alinhados representavam uma ameaça aos Estados Unidos por fazerem ações coletivas contra a sua intervenção e a de países da Europa Ocidental no chamado “terceiro mundo”, e por aceitarem suportes setoriais da União Soviética. (WILEY, 2001, p. 13)
Concordando com esses interesses, o senador J. William Fulbright conseguiu, em 1961, a aprovação de seu projeto de lei pelo Congresso, o Mutual Educational and Cultural Exchange Act, também conhecido por “Fulbright-Hays Act”, que lançava um programa de intercâmbio e bolsa de estudos. Baseando-se na argumentação de que o intercâmbio cultural e intelectual entre nações contribuiria para o aumento da consciência das similaridades e diferenças interculturais e, assim, para o crescimento mútuo de oportunidades para resoluções pacíficas de conflitos. Esta lei claramente se relaciona com a teoria difundida pelo NDEA, segundo a qual a estratégia de defesa nacional tinha na educação uma importante aliada. Assim como ocorre com a internacionalização da Library of Congress, podemos dizer que o Fulbright-Hays Act surgiu como uma ferramenta clara do soft power norte-americano. Aprovado pelo presidente democrata John F. Kennedy (1961-1963), o Fulbright-Hays Act promoveu, e ainda promove, muitas visitas de professores e pós-graduandos norte-americanos a nações estrangeiras e de estrangeiros a universidades norte-americanas. A iniciativa é vista, até hoje, como um excelente exemplo de diplomacia pública operada por meio do ensino superior. (HINES, 2001, p. 7)
Agente importante neste processo de internacionalização do conhecimento norte-americano, a Library of Congress teve financiamento público para abrir os seus overseas offices a partir da década de 1960, por meio dos quais estabeleceu centros de busca e catalogação de publicações locais, tendo por base acordos de cooperação efetuados com bibliotecas e editoras em dezenas de países. Saltou assim na aquisição de materiais estrangeiros e passou a transmitir com agilidade as informações bibliográficas para as bibliotecas de pesquisa que fossem a ela conveniadas. Já na década de 1970, vigorava um extenso aparato para aquisição e catalogação de material bibliográfico no exterior, que era protagonizado pela LOC e financiado por recursos decorrentes de programas governamentais estadunidenses.
A internacionalização da Library of Congress: o soft power estadunidense
A expressão soft power, cunhada por Joseph Nye em 1990 e utilizada desde então por teóricos das relações internacionais, elucida a relação entre o movimento de consolidação dos Estados Unidos da América como uma das grandes potências globais e o de internacionalização da Library of Congress. De acordo com Nye, poder é a habilidade de influenciar o comportamento dos outros para se conseguir o resultado que se quer e, dessa maneira, o exercício do poder está ligado ao grau de legitimidade de quem o exerce. O soft power – ou poder suave, em português – é a capacidade de um Estado se impor ou fazer valer sua vontade sobre outro por meio do campo das ideias e da cultura. Valendo-se, portanto, de meios diferentes dos utilizados pelo hard power, que se caracteriza pela ação coercitiva, alcançada por meio da força bélica e econômica. Para Nye (2004, p. 5-11), quanto menor o grau de legitimidade internacional de um Estado, maior a necessidade de calcar suas ações na coerção a fim de atingir seus objetivos; quanto maior o grau de legitimidade, mais os métodos de exercício do poder desse Estado serão pautados pela persuasão.
Nacionalmente, a LOC se consolidou como uma biblioteca universal durante a Guerra Fria, quando, a partir de políticas formalizadas nos mandatos do presidente republicano Dwight D. Eisenhower (1953-1961), se tornou o núcleo de um sistema colaborativo de catalogação e disponibilização de materiais estrangeiros entre as bibliotecas de pesquisa estadunidenses. A partir da década de 1950, com a emergência de novos países no cenário global do pós-guerra, Eisenhower considerou que havia uma crescente necessidade de os Estados Unidos ampliarem o conhecimento sobre o mundo, anteriormente muito voltado para a Europa (COLE et al., 2004, p. 233-234).
A internacionalização da Library of Congress foi um instrumento de soft power na medida em que contribui fortemente para o desenvolvimento e o reconhecimento da excelência do conhecimento produzido nas universidades e institutos de pesquisa norte-americanos. Ao mesmo tempo, a biblioteca reforça a consolidação da importância de seu acervo em esfera mundial, sendo identificada como uma das grandes instituições de memória, inclusive pelos países do Velho Mundo – onde se concentram as mais antigas e renomadas instituições culturais Enquanto instrumento de soft power, a internacionalização do acervo da Library ajuda a construir uma espécie de campo magnético internacional, atraindo estudantes, pesquisadores e visitantes do mundo inteiro para instituições de ensino e pesquisa dos Estados Unidos que, ao retornarem a seus países, tendem a difundir a cultura estadunidense de maneira positiva.
Os overseas offices da Library of Congress, instalados a partir da década de 1960 para adquirir e catalogar obras de várias regiões do globo, são ferramentas instituídas durante a intensificação do processo de internacionalização da instituição que, junto com outros dispositivos criados no mesmo período, atuaram para instrumentalizar o soft power dos Estados Unidos. Para coordenar essas agências de forma centralizada, foi instaurada a United States Agency for International Development (USAID), criada pelo presidente John F. Kennedy e aprovada pelo Congresso em novembro de 1961, um ano antes da instauração do primeiro dos overseas offices pela Library of Congress, em Nova Délhi, na Índia.
A LOC chegou a gerir vinte e um escritórios pelo mundo. Apesar do fechamento gradativo de boa parte deles até o início dos anos 1980, o compartilhamento de dados bibliográficos internacionais continuou por meio das redes construídas e do investimento efetuado nessa direção. Nas regiões onde a Biblioteca do Congresso avaliou a necessidade da continuidade do trabalho de campo com equipe própria, os escritórios permaneceram em atividade. Assim, os overseas offices do Cairo, Islamabad, Jakarta, Nairóbi, Nova Délhi e Rio de Janeiro foram mantidos, contando com a contribuição financeira de bibliotecas norte-americanas interessadas nos materiais por eles coletados.
Produto do projeto de internacionalização do acervo da Library of Congress, a concepção dos overseas offices é única. Não existe nenhuma outra biblioteca no mundo que opere por meio desse sistema de representações no exterior. Fruto do trabalho desses escritórios, a grande quantidade de materiais estrangeiros adquiridos anualmente é também um marco até então inalcançável mesmo para as mais importantes bibliotecas do mundo, tais como a British Library, a Biblioteca do Vaticano, a Biblioteca Nacional da França, a Biblioteca de Alexandria e a Biblioteca Nacional da Alemanha, as quais, apesar de possuírem acervos estrangeiros provenientes de parcerias com instituições diversas, não mantêm representações no exterior.
Para embasar a decisão sobre os escritórios que permaneceriam em atividade, foram consideradas quais seriam as regiões onde a continuidade do trabalho de campo de uma equipe própria seria realmente “necessária” para angariar os materiais desejados, apesar do alto custo de manutenção desses escritórios. Isso porque o amplo e constante acesso a publicações em determinadas localidades é mais difícil e complexo – devido a questões geopolíticas específicas – e, ao mesmo tempo, indispensável para o embasamento de análises sobre regiões que, desde o pós-guerra, passaram a ser estratégicas no panorama das relações internacionais. É assim que Beacher Wiggins, diretor de aquisições e acesso bibliográfico da Library of Congress, justifica a sustentação dos seis escritórios regionais remanescentes.
Associa a instabilidade geral e a produção bibliográfica nacional fraca e difusa vivenciada por esses países com a distribuição e a catalogação de obras insuficientes e descentralizadas executadas por suas instituições nacionais. Cenário que se mostra inapropriado para a instituição garantir, por meio de parcerias com bibliotecas, editoras e livreiros regionais, o acesso desejado a um conjunto de materiais representativo. (WIGGINS, 12 jan. 2017)
Os overseas offices ainda hoje cobrem imensa área geográfica e adquirem materiais com vasta gama de assuntos e idiomas. No ano de 2013, por exemplo, eles reuniram e catalogaram materiais relativos a cerca de 79 países e 120 línguas (HARTSELL, 2014). Nos seis escritórios regionais ainda em atividade existe o financiamento adicional do Cooperative Acquisition Program (CAP), criado a partir da contribuição financeira de bibliotecas estadunidenses interessadas nos materiais recolhidos. Desde 1970, o CAP atrai ininterruptamente o suporte de muitas bibliotecas de pesquisa dos Estados Unidos que, por volta dos anos 2000, recebiam através de parcerias com os overseas offices de 400 a 600 mil peças ao ano (COLE et al., 2004, p. 390). Segundo Wiggins, os altos números de aquisições e catalogações desempenhados por esses escritórios são possíveis devido ao fato de suas equipes serem compostas majoritariamente por trabalhadores locais. Para ele, o diferencial reside na experiência e conhecimento que possuem sobre cada sociedade, instituições e agências culturais regionais, além de vastas conexões sociais, características indispensáveis para encontrar materiais de pesquisa em localidades que apresentam um mercado bibliográfico pouco desenvolvido.
Sendo um dos escritórios remanescentes, o Rio Office executa o trabalho de coleta e catalogação de materiais bibliográficos do Brasil, do Uruguai, da Guiana, da Guiana Francesa e do Suriname. A conjuntura política e institucional que lhe permitiu ser um dos overseas offices ainda em atividade trouxe para sua rotina de trabalho a função de superar a possibilidade de automatização das atividades nele desenvolvidas, o que representaria sua extinção, nos mesmos moldes dos outros escritórios fechados. Questão de sobrevivência, essa “ameaça” norteia os trabalhos desenvolvidos, voltados para consolidar a importância do papel do escritório do Rio para a ampliação da cobertura internacional do acervo da Library of Congress e das bibliotecas norte-americanas que financiam seu programa de aquisição de publicações regionais. Dentro dessa engrenagem, a BPG foi constituída e a narrativa de seu colecionamento elaborada.
Muitas das influências que direcionaram o discurso de seu colecionamento foram identificadas através de uma análise minuciosa dos dados disponíveis na própria coleção, de informações encontradas por intermédio de agentes que participaram ou ainda se encontram envolvidos com a sua produção e também de documentos administrativos da própria Library of Congress (BETTAMIO, 2021). Evidenciou-se que, da mesma forma que o discurso narrativo elaborado pelo colecionador engendra significados à coleção, a coleção passa a atribuir significados ao colecionador. Assim, se o Rio office criou, a partir de uma narrativa própria, uma noção de conjunto para os materiais da BPG, a BPG, ao ter suas cópias microfilmadas amplamente divulgadas e comercializadas para bibliotecas e centros de pesquisa diversos, trouxe projeção ao escritório, atribuindo-lhe maior alcance institucional, entre outros significados.
Em decorrência desse trabalho de construção narrativa do Rio office, a grande rede de bibliotecas e institutos de pesquisa nos Estados Unidos mantêm cópias microfilmadas da BPG em seus acervos, bem como instituições corelatas de outras partes do mundo. Na Europa, está na Biblioteca La Contemporaine, em Paris, no Instituto Ibero-Americano de Berlim (REGUINDIN, 2005) e na Universidade de Essex na Inglaterra (LIBRARY OF CONGRESS, 2017). No Brasil, encontra-se na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, e, desde 2012, na Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, em Campinas.
A BPG e a projeção da Library of Congress
A BPG, sem dúvidas, reúne importante conjunto documental para a história do Brasil recente. Ao mesmo tempo, a coleção expõe o foco de interesse da política estadunidense nas décadas finais da Guerra Fria pela crescente efervescência social brasileira do final da ditadura. Após um período de intensa repressão a qualquer tipo de contestação social ou política, tal efervescência era novidade recente. Portanto, não estava retratada em materiais bibliográficos convencionais disponibilizados por editoras e livrarias. Assim, os folhetos, cartazes, pôsteres e periódicos – que vinham sendo produzidos por entidades relacionadas aos movimentos populares brasileiros – tornaram-se fontes de informação sobre a situação do país.
A BPG permite também perceber como esta coleção de materiais bibliográficos efêmeros é uma das diversas ferramentas utilizadas para manutenção e ampliação da hegemonia cultural, política e econômica dos Estados Unidos no mundo contemporâneo. Entre outros significados, representa a amplitude e universalidade do acervo da Library of Congress, colaborando para o permanente movimento de estender as fronteiras do reconhecimento da instituição como a maior guardiã da memória escrita mundial. O trabalho de colecionamento empreendido na BPG contribui para destacar a quantidade, a singularidade e a excepcionalidade do material que a Library of Congress reúne, consolidando no panorama universal a grandeza da instituição e, quase automaticamente, da nação a que pertence.
“O Arrendamento Rural”, folheto de autoria e publicação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (FETAPE), de 1974, com 63 páginas, é o primeiro documento da categoria “Reforma agrária e questões da terra” da parte principal da BPG (1966-1986), produzido com a colaboração da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) em comemoração aos doze anos de reconhecimento da FETAPE pelo governo federal, com o objetivo de esclarecer aos trabalhadores rurais associados o que é o estatuto da terra e quais são as leis que devem reger os contratos de arrendamento rural.
“Escravidão e Libertação”, folheto de autoria do Grupo de União e Consciência Negra, publicado pela Frente Nacional dos Trabalhadores (FNT), em 1982, com 54 páginas, é o primeiro documento da categoria “Negros” da parte principal da BPG (1966-1986). Tem por objetivo contribuir para a discussão e a reflexão sobre a histórica situação de desigualdade e discriminação do povo negro no Brasil.
“Folheto de Educação Popular”, ano 2, n.5, jan/fev de 1986, com 4 páginas, publicado pelo Centro de Documentação e Apoio aos Movimentos Populares (CEDAMPO), em Campo Grande (MS), traz críticas a partidos políticos, denúncias de maus tratos à trabalhadores rurais e ao descumprimento ao direito de moradia. É o documento número 47 de “Educação e Comunicação” da parte principal da BPG (1966-1986).
REFERÊNCIAS:
BETTAMIO, Rafaella. História de uma coleção invisível: narrativas e liminaridade da coleção Brazil’s Popular Groups da Library of Congress. Curitiba: Appris, 2021.
COLE, John Y. AIKIN, Jane. Encyclopedia of the Library of Congress: For Congress, The Nation & The World. Washington (D.C.): Library of Congress; Lanham, MD: Bernan Press, 2004.
HARTSELL, Mark. Global Gathering. In: The Gazette. Library of Congress Magazine. Washington (D.C.), Jul-Aug, 2014.
HINES, Ralph. An Overview of Title VI. In: O’MEARA, Patrick; MEHLINGER, Howard D.; NEWMAN, Roxana Ma. Changing Perspectives on International Education. Indiana: Indiana University Press, 2001, 6-10.
LATOUR, Bruno. Redes que a razão desconhece: laboratórios, bibliotecas, coleções. In: BARATIN, Marc; JACOB, Christian (Orgs.). O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000, 21-44.
LIBRARY OF CONGRESS. Photoduplication Service. Brazil’s Popular Groups: a Collection of Materials Issued by socio-political, Religious, Labor and a Minority Grass-roots Organizations (BPG). Washington (D.C.), 1988-2018 [microfilmes]. Rio de Janeiro, Coordenadoria de Publicações Seriadas, Fundação Biblioteca Nacional.
LIBRARY OF CONGRESS. WorldCat database. Washington (D.C.).
NYE, Joseph S., Jr. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: Public Affairs, 2004.
REGUINDIN, Pamela Howard. Brazil’s Popular Groups Microfilm Collection from the Library of Congress. Rio de Janeiro: Library of Congress Overseas Office, 04 jul. 2005.
WIGGINS, Beacher. Entrevista concedida à Rafaella Bettamio. Washington (D.C.), 12 jan. 2017. Arquivo sonoro digital (35 min).
Como citar este artigo:
BETTAMIO, Rafaella. A coleção Brazil´s Popular Groups e o soft power estadunidense. História da Ditadura, 1 dez. 2022. Disponível em: https://www.historiadaditadura.com.br/post/a-colecao-brazils-popular-groups-e-o-soft-power-estadunidense. Acesso em: [inserir data].
Comments