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Foto do escritorHistória da Ditadura

A trajetória de dom Paulo Evaristo Arns

Atualizado: 15 de out. de 2020

 

Já é bastante conhecido o importante papel de um setor da Igreja Católica no Brasil contra as arbitrariedades da ditadura militar, que vigorou no país entre 1964 e 1985. A instituição, que apoiou oficialmente a chegada dos militares ao poder, foi, paulatinamente, tomando atitudes de oposição ao regime, sobretudo, quando viu seus próprios membros serem atingidos pelas forças repressivas. Naquele contexto, a Igreja era a única instituição com autonomia suficiente para confrontar o regime. Assim, no início da década de 1970, suas relações com o Estado brasileiro estiveram à beira de uma ruptura.

A trajetória de dom Paulo Evaristo Arns, que faleceu hoje (14/12/2106), seguiu essa mesma lógica. No dia 31 de março de 1964, ele se deslocou de Petrópolis, onde morava, a Três Rios, para abençoar a chegada das tropas do general Mourão Filho ao Rio de Janeiro. A partir do governo Médici, que correspondeu à sua nomeação como arcebispo de São Paulo (1970), dom Paulo passou a se destacar como um dos mais importantes opositores da ditadura militar, o que não impediu, no entanto, que participasse de algumas reuniões da Comissão Bipartite. Um fórum secreto que, entre 1970 e 1974, buscou a conciliação ao reunir autoridades religiosas e governamentais para discutir e resolver os graves conflitos vivenciados pelas duas instituições naquele momento.

De todo modo, a atuação de dom Paulo, como porta-voz da defesa dos direitos humanos no Brasil, durante o período mais agressivo do terror de Estado, foi primordial para a paulatina deslegitimação do regime ante à opinião pública. Há numerosos relatos de casos em que o bispo saiu em defesa de presos políticos, mesmo em outros países da América Latina. Ele fazia visitas inesperadas aos presídios; denunciava abusos do poder nas missas e, quando possível, na imprensa; contatava autoridades nacionais e estrangeiras etc. Dom Paulo fez de sua figura um porto seguro ao qual aqueles que eram vítimas dos arbítrios da repressão podiam recorrer. Por essa razão, as atividades do bispo foram detidamente monitoradas pelos órgãos de informações da ditadura.

Em 1972, o bispo foi responsável pela criação da regional paulista da Comissão de Justiça e Paz que, com o passar do tempo, por seu destacado papel na defesa dos direitos humanos, assumiu o trabalho da seção nacional da entidade. A CJP recebia denúncias de todo o país e trabalhava junto aos bispos para ajudar os presos e outras vítimas de perseguição política.

No ano seguinte, dom Paulo foi responsável pela primeira manifestação popular contra a tortura no Brasil, quando celebrou a missa de sétimo dia da morte do estudante Alexandre Vannucchi Leme. O evento reuniu cerca de três mil pessoas na Catedral da Sé, em São Paulo, e enfureceu as autoridades militares. O evento seria uma prévia do que ocorreria dois anos mais tarde, quando foi realizado, no mesmo local, um grande ato ecumênico em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado nas instalações do DOI-CODI. Além de dom Paulo, a cerimônia foi comandada conjuntamente pelo rabino Henry Isaac Sobel e pelo pastor presbiteriano Jaime Nelson Wright, tendo contado com a participação de mais de oito mil pessoas.

Ao lado do reverendo Jaime Wright, dom Paulo foi ainda responsável pelo Projeto Brasil Nunca Mais. Uma iniciativa que, por meio do exame de mais de 900 mil páginas de processos do Superior Tribunal Militar contra presos políticos, documentou minuciosamente as torturas e outras graves violações aos direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro no período ditatorial.

Dom Paulo teve sua trajetória marcada pela discrição e cautela. Fez parte do que a historiografia usa chamar de resistência democrática. Sua luta em defesa dos direitos humanos nunca relativizou o uso político da violência, mesmo quando alguns a aceitavam quando praticada por grupos de esquerda. Em um contexto histórico marcado pelos radicalismos, dom Paulo, com notória moderação, soube como poucos mobilizar a causa dos direitos humanos, trazendo para si uma notoriedade que garantia o respeito de seus pares e obrigava os órgãos repressivos a tratá-lo com prudência.

 

Para saber mais:

Arquidiocese de São Paulo. Brasil Nunca Mais. São Paulo: Editora Vozes, 1985.

Lucas Figueiredo. Olho por olho – os livros secretos da ditadura.Rio de Janeiro: Record, 2011.

Paulo César Gomes. Os bispos católicos e a ditadura militar brasileira: a visão da espionagem. Rio de Janeiro: Record, 2014.

Kenneth P. Serbin. Diálogos na Sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. Companhia das Letras: São Paulo, 2001.

Evanize Sydow; Marilda Ferri. Dom Paulo Evaristo Arns, um homem amado e perseguido. Petrópolis: Vozes, 1999.

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