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Nathália Ribeiro Vivas da Corte

Autoritarismo e descolonização: as relações entre a ditadura militar e a Independência de Angola

Atualizado: 29 de abr. de 2021

 

Na segunda metade do século XX, o mundo assistiu a uma série de processos históricos, como a explosão de autoritarismos latino-americanos, a descolonização afro-asiática e a divisão do globo em blocos bipolares. Todos esses processos, quando analisados sob a perspectiva dos países capitalistas, indicam genericamente governanças políticas internacionais alinhadas com valores ocidentais, tal qual o combate ao comunismo. Entretanto, algumas regiões distanciaram suas tomadas de decisões do pragmatismo global e assumiram vias específicas em dados momentos. É o caso do Brasil nas etapas finais da ditadura militar, o qual propôs, por vezes, vinculações diplomáticas inéditas, a exemplo do evento da independência angolana, em que a política externa brasileira exprimiu movimentos incomuns e surpreendentes.

Com o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), há o início de uma movimentação, sobretudo de países asiáticos (Índia, Paquistão e Indonésia), e mais tarde da África, no sentindo de alcançarem suas independências políticas. Nesse contexto, observa-se o desenvolvimento de dinâmicas coordenadas que objetivavam a constituição de mecanismos aceleradores dos processos independentistas. Com isso, mais e mais nações atingiam seu objetivo final e comemoram a instauração de governos próprios ao longo das décadas de cinquenta e sessenta. Por outro lado, se parte do continente asiático e africano já havia realizado a separação formal de seus colonizadores, algumas regiões ainda permaneciam entrelaçadas no fim dos anos 1960. É o caso de Angola, que se libertou de Portugal apenas em 1975.

A independência angolana, enquadrada no período de 1961 a 1975, teve seu despertar por meio de uma série de conjunturas internas e externas, sendo importante para tal contexto o surgimento do movimento afro-asiático e a criação de instituições fundamentais (partidos políticos, sindicatos, reuniões coletivas etc.) ao fomento de uma identidade separatista. Vale lembrar que Angola fora instituída como colônia de Portugal na Conferência de Berlim (1884-1885) e, até o ponto de sua separação, foi submetida a um forte controle administrativo-militar português. Além disso, sua sociedade resguardava elementos contrários aos direitos humanos, como o trabalho forçado, o castigo físico e a discriminação racial. Sua economia, pautada principalmente na exportação de commodities agrícolas e na exploração de minérios, gerava uma acumulação de capitais em países do primeiro mundo, inclusive em sua própria metrópole. De maneira geral, o país africano era dominado em inúmeros aspectos, destacando-se aqueles referentes à sociedade, politica e economia, que seriam as engrenagens da propaganda independentista na segunda metade do século XX.

Bandeira de Angola

Quando irrompeu a guerra em Angola, o globo observava atento, pois havia diversos interesses em jogo, especialmente daqueles países que buscavam aumentar sua influência ideológica e econômica no continente africano. É dessa maneira que o Brasil, alinhado em teoria ao Terceiro Mundo e respeitando sua longa relação com Portugal, moldou seu posicionamento internacional. Posicionamento esse que se modificou conforme a passagem dos governos militares, dadas as distintas políticas externas oficiais formuladas pelo Ministério das Relações Exteriores e harmonizadas com as conjunturas interna e externa de cada período.

Durante a presidência de Jânio Quadros, penúltimo presidente democraticamente eleito antes do golpe de 1964, houve a adoção da PEI (Politica Externa Independente) como guia de encaminhamento geral quanto às relações exteriores brasileiras e a declaração formal de adesão à solidariedade terceiro mundista. Nesse sentido, a diplomacia do período conduziu a politica externa de maneira independente em relação aos alinhamentos automáticos da Guerra Fria, estabelecendo propostas como o reatamento dos vínculos diplomáticos com a URSS e a instauração de uma política africana. Ainda assim, o governo cedeu às pressões da diplomacia portuguesa e, em março de 1961, na Assembleia Geral das Nações Unidas, optou pela decisão de abster-se frente à votação (resolução n. 1603) que condenaria o colonialismo em Angola. Esse cenário, de suporte a Portugal e da não contrariedade pública à existência de colônias africanas, se repetiu nos governos seguintes, já sob a égide da ditadura, e somente se modificou nas presidências de Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.

Desse modo, durante os governos de Humberto Castelo Branco (1964-1967) e Marechal Costa e Silva (1967-1969), houve pouco movimento político no sentido de condenar incisivamente o colonialismo. O Itamaraty perpetuou os laços de amizade com Portugal e dirigiu o contato com África apenas para o campo econômico, em uma tentativa de preencher a necessidade brasileira por novos mercados consumidores. A agenda de alinhamento aos interesses portugueses no âmbito da política exterior somente seria remodelada alguns anos depois.

Em 1975, quando Angola finalmente proclamou sua independência, o Itamaraty rompeu a longa relação que partilhava com Portugal e, em um movimento inédito, reconheceu imediatamente a soberania da nova nação. Nos meses seguintes, Angola adentrou um novo capítulo de sua história: independente, mas entregue à guerra civil sustentada pela rivalidade entre os Estados Unidos e a União Soviética. Enquanto os norte-americanos se colocavam a favor de facções contrárias ao socialismo, como a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola), os soviéticos defendiam o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), que era essencialmente marxista e detinha a maior base de apoio popular.

Cerimônia de Independência de Angola, em 11 de novembro de 1975.
Cerimônia de Independência de Angola, em 11 de novembro de 1975.

Enquanto ocorria a guerra civil em Angola, o regime ditatorial brasileiro observava dificuldades na área econômica e o aumento de protestos contra a violência imposta a seus ‘inimigos’ (em suma, indivíduos com ideologias à esquerda). A presidência era ocupada por Ernesto Geisel (1974-1979) e o cargo de ministro das Relações Exteriores, por Antônio Francisco Azeredo da Silveira. Juntos conceituaram e aplicaram a nova política externa marcada pela ampliação de espaços no Terceiro Mundo, a promoção do crescimento econômico através da expansão do comércio exterior, o estabelecimento de relacionamentos diplomáticos abertos com todos os países do mundo e a busca por tecnologias avançadas. Era o início do pragmatismo responsável e ecumênico.

Do outro lado do Atlântico, o cenário era semelhante: Havia um crescimento vertiginoso das agressões aos direitos humanos em consequência dos conflitos entre facções rivais angolanas. É nesse contexto que, mesmo diante de gritante incoerência, o Brasil declara apoio ao MPLA, movimento esquerdista e defensor da não violência. E quando eventualmente o Movimento Popular de Libertação de Angola assume a administração angolana, o Itamaraty é o primeiro, ao menos no Ocidente, a reconhecer a legitimidade do novo governo. Por detrás da aparente contradição, é importante compreender que havia interesses governamentais que visavam a melhora da imagem brasileira frente aos países africanos aos quais o Brasil gostaria de ampliar futuramente relações econômicas e que essa tática gerou resultados expressivos nos anos seguintes para o comércio exterior brasileiro: As exportações para Angola escalaram dos seis milhões de dólares no ano da Independência, para vinte e seis milhões em 1977[1].

Compreendidas as devidas posições oficias da diplomacia brasileira acerca do processo independentista angolano, temos como fato durante esse período uma política exterior à África delineada pela continuidade – do alinhamento a Portugal e da defesa teórica da descolonização. Essa política é apenas modificada quando, em face de algo inevitável, o fim do jugo colonial português em pleno século XX, surgiu a necessidade de realinhamento dos enlaces econômicos brasileiros à recém-criada terceira força africana incorporada ao globo.

Nathália Ribeiro Vivas da Corte é estudante de História na UFF.* * Texto elaborado sob a supervisão do Prof. Dr. Paulo Cesar Gomes, editor do site História da Ditadura.

Referências

Assembleia Geral das Nações Unidas. Resolução 1603 (XV). 1961. Disponível em: http://www.un.org.

Clodoaldo Bueno; Amado Cervo.  História da Política exterior do Brasil. Brasília: UnB, 2006.

Jerry Dávila. Hotel Trópico: Brazil and the challenge of african decolonization 1950-1980. London: Duke University, 2010.

Henrique Altemani de Oliveira. As relações comerciais Brasil-África nos governos Médici e Geisel. In: Política e Estratégia, n. 7 (2), pp.189-222, 1989.

Pio Penna Filho; Antônio Carlos Moraes Lessa. O Itamaraty e a África: as origens da política africana do Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 39, p. 57-81, jan./jun. 2007.

 

Nota

[1] OLIVEIRA, Henrique Altemani de. As relações comerciais Brasil-África nos governos Médici e Geisel. In: Política e Estratégia, n. 7 (2), p. 216-219, 1989.

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