Carlos Lima Aveline: de deputado federal a desaparecido político no interior da Bahia
Atualizado: 15 de out. de 2020
Tratar da trajetória de Carlos Lima Aveline é tentar fazer jus a sua memória e de tantos outros que lutaram contra o regime de exceção instalado no país e que, por suas convicções foram, mortos ou, como no caso do nosso personagem, permanecem como desaparecidos políticos.
Carlos Lima Aveline era bacharel em Direito e, em 1964, quando tinha 51 anos, era um político atuante que já havia sido vereador por dois mandatos, além de ter disputado a Prefeitura de Rio Grande. No momento do golpe de Estado, atuava como suplente de deputado pela Aliança Republicana Socialista (ARS) na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Devido a sua histórica ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), teve seu mandato cassado e passou atuar na ilegalidade.
Já na clandestinidade, Carlos Aveline passou a se chamar Jaime Freitas e, junto com o PCB, centrou suas ações contra a ditadura civil-militar na busca pela conscientização do “povo”. Criou a Rádio Liberdade, que entrou em funcionamento no dia 1º de maio de 1965; fez circular o jornal Vanguarda, que circulou por nove edições, e o Jornal Ação Revolucionária. Espalhou panfletos, fez pichações e organizou um ato considerado como um “golpe original de propaganda”, onde dois macacos foram soltos em duas praças de grande circulação do centro de Porto Alegre com os dizeres: “Eu disse, a vida vai baixar!”. A ação só não foi considerada exitosa pelo grupo porque os animais foram capturados pelos transeuntes sem criar muito alarde.
Segundo Fábio Chagas, autor da tese A luta armada gaúcha contra a ditadura militar nos anos de 1960 e 70, para além das ações de conscientização popular, Jaime Freitas acreditava ser impossível acabar com a ditadura por vias pacíficas e que só a luta armada garantiria a restituição da democracia no país. A partir dessa convicção, em 1965, Jaime buscou criar um fato político de relevância internacional.
Ao ficar sabendo pelo então fiscal do Departamento de Aviação Civil em Porto Alegre, José Lucas Alves Filho, da chegada de um avião norte-americano no Aeroporto Salgado Filho, na capital gaúcha, Jaime buscou apoio para elaborar e botar em prática um ousado plano de sabotagem. O objetivo era causar um fato político que denunciasse as intervenções políticas praticadas pelos Estados Unidos na América Latina, mais precisamente na República Dominicana. Para tanto, seriam instaladas cargas de dinamite gelatinosa no trem de pouso do avião estadunidense. José Lucas seria o responsável por avisar por telefone a Jaime Freitas sobre a chegada do avião por meio do código: “A encomenda que ele esperava havia chegado!”.
Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre
Em uma noite de serviço, José Lucas recebeu a informação de que uma aeronave estadunidense pernoitaria entre os dias 17 e 20 daquele mês de maio e tratou de avisar ao companheiro, porém o alertou para que tivesse cautela, pois podia se tratar de uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB). Mesmo com essa informação, Jaime rebateu o comunicado dizendo que faria a ação de qualquer modo.
No dia 19 de maio 1966, Jaime foi ao aeroporto e instalou os explosivos no avião C-47-2082 da FAB. Estava tudo pronto para uma das maiores ações revolucionárias daquele período, mas de acordo com os documentos do processo disponível no acervo digital do projeto Brasil Nunca Mais: “as condições atmosféricas locais com alto grau de umidade interromperam a cadeia do fogo impedindo o acendimento da chama propulsora e o consequente detonar dos petardos”[1].
Em setembro de 1966, Carlos Aveline, o Jaime, teve sua prisão preventiva decretada por espalhar panfletos subversivos após a polícia invadir a gráfica de Antônio Telles da Silva Bastos, dono da tipografia que os imprimia. A situação de Carlos Aveline se complicou ainda mais, pois, José Lucas Alves Filho também havia sido preso e delatado sua participação na tentativa de sabotagem do avião da FAB. A essas acusações juntaram-se ainda as denúncias de pichações, reuniões clandestinas, aliciamentos e a confecção e divulgação dos jornais Ação Revolucionária e Vanguarda. Diante de tal situação, Carlos Aveline fugiu de Porto Alegre.
Os documentos a que tivemos acesso dão conta de que o local possivelmente escolhido por Carlos Aveline para se esconder foi São Paulo. Cidade na qual acabou preso pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), no dia 14 janeiro 1969, sob “outras acusações” também de teor político. Nas dependências deste departamento, Carlos Aveline foi brutalmente torturado por Raul Nogueira de Lima, conhecido como “Raul Careca”.
Não bastasse a tortura física a qual foi submetido, foi forçado a assistir – dois dias depois de sua prisão – a prisão de seu filho de 16 anos, que foi torturado em sua frente, por meio de espancamentos e choques elétricos, que o levaram a desfalecer por diversas vezes. Num ato de desespero, buscando impedir a continuidade das torturas, Carlos Aveline tentou o suicídio.
Passado o momento conturbado das torturas, Carlos Aveline permaneceu preso até 6 de fevereiro de 1970. Conforme relatos de seu filho em um site pessoal,[2], Carlos Aveline protagonizou um dos casos mais intrigantes de fuga de um presídio. Em um dia de visitas, o militante saiu pela porta da frente da penitenciária, tendo inclusive pegado um táxi que passava na rua no momento em que fugia da prisão sem que ninguém percebesse. Se este fato é real ou não é difícil sabermos, mas, o que temos de concreto é que, após a sua fuga, Aveline passou um curto período no exterior, tendo voltado ao Brasil pouco tempo depois, mas desta vez para o interior da Bahia, mais precisamente para Eunápolis que, na época, era distrito de dois municípios (Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália) e ficou conhecida nacionalmente como “o maior povoado do mundo” após algumas reportagens de jornais e revistas de grande circulação como a Revista Veja, que buscavam avaliar as condições de vida no lugarejo.
Ao que consta, Carlos Aveline viveu neste povoado até a sua suposta morte em março de 1974, com o nome de Nelson Mesquita Peres. Sua atividade na região é desconhecida. O pouco que se sabe é oriundo dos relatórios do Serviço Nacional de Informação (SNI), quando o órgão ordenou averiguar as notícias veiculadas no jornal Correio do Povo, que “publicou convite para missa e participação de falecimento do nominado ocorrido em 17 de março de 1974”. Até essa publicação, a localização do militante era desconhecida pelo SNI. Ainda neste comunicado, o SNI evidenciou que o advogado Carlos Alberto Álvaro de Oliveira esteve presente no Hospital Maternidade, no distrito de Eunápolis, apresentando-se como cunhado da vítima e se responsabilizando por todas as despesas.
A morte de Carlos Lima Aveline, bem como sua vida no interior da Bahia ainda é um mistério, mas com a liberação dos documentos sigilosos e o trabalho da Comissão da Verdade, as pesquisas históricas estão avançando por campos ainda negligenciados e revelando as tramas de luta e resistência que ajudam a reconstituir a nossa história.
Ciro Lins é historiador.
Para Saber mais:
Bernardo Kucinski. Pau de arara: a violência militar no Brasil: com apêndices documentais / Bernardo Kucinski e Ítalo Tronca; notas e versão direta do português por Flávio Tavares. – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2013.
Fábio André Gonçalves das Chagas. A luta armada gaúcha contra a ditadura militar nos anos 1960 e 1970. UFF: 2007. Doutorado
Notas:
[1] http://www.filosofiaesoterica.com/agora-sei-comeca-velhice/
[2] Arquivo BMN_287
Como citar este artigo:
LINS, Ciro. Carlos Lima Aveline: de deputado federal a desaparecido político no interior da Bahia. In: História da Ditadura – novas perspectivas. Disponível em: http://historiadaditadura.com.br/destaque/carlos-lima-aveline/. Publicado em: 3 Out. 2017. Acesso: [informar data].
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