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Entrevista com a historiadora Sarah Sarzynski


A coluna Brasil por Brazil, editada por Lucas Koutsoukos-Chalhoub e Luiz Paulo Ferraz, busca aumentar as oportunidades para o público brasileiro conhecer pesquisas e obras sobre o Brasil produzidas fora do país entrevistando pesquisadores brasileiros e estrangeiros atuantes no exterior.


Sarah Sarzynski é professora associada de história na Claremont McKenna College. Nesta entrevista, conversamos sobre seu primeiro livro Revolution in the Terra do Sol: The Cold War in Brazil (Revolução na Terra do Sol: a Guerra Fria no Brasil, em tradução livre) publicado pela Stanford University Press em 2018.


Qual o tema do livro e como surgiu a ideia de escrevê-lo?


Meu livro analisa como os movimentos sociais rurais no Nordeste do Brasil se apropriaram e subverteram símbolos estabelecidos da identidade regional – como o cangaceiro, o messianismo, o coronel, o povo rural, a abolição e a escravidão – para ganhar apoio à reforma agrária e aos direitos dos trabalhadores rurais. Também mostra como os atores conservadores dominantes regionais e nacionais, ou seja, como as elites rurais usaram tais símbolos para lutar contra a reforma agrária e os direitos dos trabalhadores no campo. Eu argumento que o uso generalizado de tais símbolos encorajou a opinião popular a apoiar o golpe militar de 1964 como a melhor opção para controlar a suposta ameaça representada por movimentos sociais rurais como as Ligas Camponesas.


A ideia do livro veio da minha oposição de longa data às ditaduras militares da Guerra Fria e do meu desejo de escrever sobre a discriminação sistêmica que os nordestinos rurais e da classe trabalhadora continuam enfrentando hoje no Brasil. Fascinada pelo Nordeste, pelo cinema e literatura do Cinema Novo, viajei para o Recife. Lá, fiquei enfurecida com a forma como as elites tratavam os mais pobres e lançavam discursos racistas sem hesitar para reclamar da preguiça dos trabalhadores afrodescendentes da cana, ou para justificar a exclusão da classe trabalhadora e dos pobres. Eu queria entender a partir de uma perspectiva cultural o que permitia que tais discursos desumanizantes fossem tão difundidos. Portanto, resolvi pesquisar um período em que a mudança parecia possível, devido ao potencial da reforma agrária.


Como você enxerga a contribuição do seu livro para a historiografia?

Embora as histórias sobre o regionalismo e o Nordeste brasileiro mostrem as diferenças políticas, elitistas e econômicas da nação brasileira, eu dialogo com as teorias de Stuart Hall sobre a cultura popular para ilustrar como as mudanças nos significados de símbolos há muito usados para definir o Nordeste e os nordestinos. Para fazê-lo, o elenco de personagens vai além das dicotomias ou das categorizações tradicionais, revelando uma visão mais ampla de como o poder funciona para imbuir símbolos e identidades com novos significados, e como é difícil desafiar estereótipos. Acho que meu trabalho critica tanto a esquerda quanto a direita por não conseguirem subverter – ou “despensar” – os estereótipos do Nordeste em seus projetos políticos nas décadas de 1950 e 1960.


Sobre a ditadura militar, meu livro mostra como o próprio governo democrático usou medidas cada vez mais repressivas no Nordeste rural para punir lideranças dos movimentos sociais do campo e fez uso da violência para reprimir os trabalhadores rurais anteriormente ao golpe. Por exemplo, o líder das Ligas Camponesas, Padre Alípio, foi preso por violar a Lei de Segurança Nacional em 1963. Os proprietários de terras e seus capangas muitas vezes gozavam de impunidade por crimes de tortura, estupro e assassinato de homens e mulheres do campo mesmo antes de 1964.


Como seu livro dialoga com a historiografia brasileira, e que obras e autores do Brasil te ajudaram a pensar o tema?


Eu sinto que foi muito mais difícil explicar o significado do meu livro para um público norte-americano porque nada como o Nordeste existe no contexto dos Estados Unidos. Durval Muniz de Albuquerque Júnior foi obviamente influente em seu exame da construção do Nordeste, embora em vez de vê-lo exclusivamente como uma construção cultural elitista, procurei examinar como uma diversidade de atores contribuiu para a tentativa de redefinir o Nordeste. Os trabalhos de Maria Isaura Pereira de Queiroz e Rui Facó sobre cangaceiros e messianismo foram fundamentais para melhor entender historicamente o significado de tais símbolos. E não poderia ter escrito o livro sem ler estudiosos de cinema como Ismael Xavier, Wills Leal, Jean-Claude Bernadet, José Marinho e Lúcia Nagib. Sobre a questão dos movimentos sociais do campo e do Partido Comunista Brasileiro (PCB), as obras de Cliff Welch e Daniel Aarão Reis me ajudaram a entender as divisões da esquerda. Meu livro também aborda os trabalhos de James Green e João Roberto Martins Filho sobre a ditadura, mostrando como os primeiros anos do regime não foram nem leves nem moderados, principalmente quando se considera o que aconteceu com homens e mulheres que participaram de movimentos sociais rurais.


Um dos desafios deste livro foi escrever estreitamente sobre um número relativamente grande de figuras históricas brasileiras e internacionais que foram objeto de estudos que, embora extensivos, não necessariamente abrangeram suas experiências no Nordeste do Brasil nas décadas de 1950 e 1960. Dentre eles, cito Paulo Freire, Josué de Castro, Glauber Rocha, Gilberto Freyre, Jean-Paul Sartre, Robert Kennedy, dom Helder Câmara, entre outros.


Quais foram as principais fontes utilizadas em sua pesquisa e como você chegou até elas?


Meu plano original era focar na história oral, mas logo percebi que as experiências históricas da ditadura e da política de abertura no Nordeste do Brasil contavam uma história significativamente diferente e que merecia sua própria atenção. Portanto, os dois capítulos finais do meu livro examinam como as Ligas Camponesas foram lembradas após a ditadura. Conduzi algumas entrevistas, mas me baseei principalmente em coleções de história oral transcritas da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais e no CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. Eu também tinha planejado incluir mais sobre o período da ditadura, mas a maioria das fontes que usei para escrever sobre as décadas de 1950 e 1960 terminou com a ditadura: jornais de movimentos sociais, literatura de cordel, documentários radicais e projetos de cinema. Inclusive, na UNESP – o primeiro lugar onde eu encontrei A Liga, o jornal das Ligas Camponesas – todos os guias arquivísticos estavam em italiano porque o jornal havia sido guardado em Milão durante a ditadura.


Utilizei uma grande variedade de fontes em arquivos, museus e bibliotecas de todo o Brasil. Na época em que fazia a pesquisa, poucos periódicos haviam sido digitalizados, então todos os exemplares impressos do Diário de Pernambuco de 1958 a 1964 estavam no Arquivo Estadual de Pernambuco. Muitos dos filmes que uso já estão disponíveis no YouTube, mas na época da pesquisa só consegui assistir a um filme por dia no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro, localizados em uma coleção que não existe mais. As informações sobre os filmes e diretores vieram dos acervos da FUNARTE, do Museu de Arte Moderna do Rio e da Cinemateca Nacional.


Trabalhei também com coleções de literatura de cordel, utilizando autores, estilos de impressão, referências e editoras para estabelecer uma data geral de publicação, já que a maioria dos cordéis carece desse tipo de informação. Esses poemas maravilhosos ofereciam visões da população rural e, embora não necessariamente representativos de suas perspectivas, os versos sugeriam o que as pessoas podem ter ouvido nas décadas de 1950 e 1960.


Outro arquivo que foi aberto enquanto estive no Brasil foi o do DOPS-PE, no Recife. Como esse arquivo está organizado continua um mistério para mim. Todos os dias eu pedia tópicos semelhantes ou nomes de pessoas. Em alguns dias, me diziam que não existiam fontes; em outros, os arquivistas encontravam caixas e mais caixas de fontes.


Qual a história mais interessante que você se deparou ao longo da pesquisa para o livro ou a que mais te surpreendeu?


Uma das experiências mais gratificantes foi compartilhar cópias de documentos do DOPS sobre o Engenho Galileia – o berço das Ligas Camponesas – com o historiador autodidata Zito de Galileia, que administra seu próprio museu no engenho. Enquanto examinava os documentos, ele falou sobre o que os militares “erraram” nos mapas que fizeram do território antes do golpe e depois me acompanhou pela propriedade para explicar melhor esses erros. Zito foi a pessoa mais incrível que conheci no Brasil e tive a sorte de passar alguns dias com ele no Engenho Galileia. Ele é neto de um dos dirigentes da Liga e, ainda adolescente, fugiu da Galileia para o Recife e se escondeu lá. Alguns anos mais tarde, foi para São Paulo. Ele continuou envolvido no ativismo social, trabalhando como motorista de ônibus e participando de protestos antimilitares. Em São Paulo, ele se interessou mais em preservar a história das Ligas Camponesas – talvez porque conseguiu colocar seus filhos em uma boa escola quando o diretor da escola soube que ele era do Engenho Galileia e que membros de sua família foram dirigentes das Ligas. Eventualmente, ele se mudou de volta para Pernambuco e criou uma biblioteca, um museu e um monumento dedicados às Ligas. Ele também escreveu literatura de cordel sobre a ditadura e gravou entrevistas com dirigentes das Ligas, como Francisco Julião.


Que perguntas o seu livro deixa em aberto, ou que novos caminhos você espera que sejam explorados em pesquisas futuras sobre o tema?


Bons livros sempre terminam com mais perguntas, certo? Eu adoraria saber mais sobre o que aconteceu durante a ditadura nas regiões rurais. Por exemplo, a cidade de Buíque, em Pernambuco, tinha um sindicato rural do PCB considerável na década de 1960. Mas quando entrevistei pessoas ali envolvidas em sindicatos rurais, não havia memória histórica ou registro do PCB – ou talvez houvesse um silenciamento por causa da repressão que ocorreu. Descobri tantos relatos de violência contra a população rural antes do golpe que acredito que deve haver muito mais histórias sobre o que aconteceu durante a ditadura que merecem ser recuperadas.


Também sinto que muitas das fontes que usei também estão se tornando menos acessíveis ou se desintegrando. Com o ataque contínuo feito por Bolsonaro às instituições históricas e culturais, é cada vez mais importante que organizações internacionais se associem a instituições brasileiras para financiar a digitalização de coleções encontradas em pequenos museus e bibliotecas rurais em todo o Nordeste.


Esta entrevista ocorreu por escrito e foi traduzida e editada antes da publicação.

Contate a coluna em brasilporbrazil@gmail.com

Lucas Koutsoukos-Chalhoub

Luiz Paulo Ferraz


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