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Foto do escritorRafael Nascimento Gomes

Getúlio Vargas visto pelo vizinho uruguaio

Atualizado: 19 de mar.

No Brasil, Getúlio Vargas é visto como um dos maiores personagens da política do século XX e, por isso, recebeu inúmeros adjetivos. Mas como os vizinhos sul-americanos enxergavam Vargas? Oportunista? Ditador? Revolucionário? Populista? Veremos neste texto como os hermanos uruguaios descreviam o estadista brasileiro durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Através de documentos diplomáticos trocados entre as chancelarias, embaixadas e consulados, é possível verificar a perspectiva do vizinho uruguaio acerca de Vargas. Com isso, analisaremos os impactos, efeitos e contradições de um regime ditatorial visto por um país vizinho que passava por um processo de redemocratização num período marcado pelo conflito mundial.


O período do Estado Novo (1937-1945) foi marcado pelo autoritarismo de Getúlio Vargas, que utilizou de violência, perseguição repressão contra opositores. No Uruguai, após a ditadura de Gabriel Terra (1933-1938), ocorreu um amplo processo de redemocratização conduzido pelo terrista Alfredo Baldomir (1938-1943) que transmitiu o poder constitucional a Juan José de Amézaga (1943-1947), também do Partido Colorado, com uma campanha vitoriosa intitulada “Amézaga, candidato de la democracia”.


Tendo em vista aquele contexto, marcado pela deflagração da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), buscamos investigar a perspectiva de um país vizinho acerca do regime ditatorial de Vargas. A partir de sua projeção regional, exploraremos os efeitos – e as contradições – da política externa estado-novista a partir da ótica de diplomatas e políticos uruguaios. Isto é, o olhar de um país vizinho tem muito a contribuir para a compreensão da história nacional e, em especial, de um período ditatorial em que as liberdades eram cerceadas.


Cabe destacar que a região do Rio da Prata foi uma preocupação constante na política externa brasileira desde o século XIX, sobretudo, em seu projeto em nível regional. Desde o processo de formação dos Estados nacionais, a Banda Oriental enfrentou um intenso conflito, ora externo, ora interno, até consolidar-se como Estado Oriental do Uruguai. O Brasil, por sua vez, projetou-se no Prata como prioridade de sua política externa imperial frente à rivalidade portenha. Como explica Moniz Bandeira (1998), eram os tempos do expansionismo brasileiro, pois a região representava a chave de acesso ao estuário superior do Paraná, Uruguai e Paraguai, que banhavam terras consideradas das mais ricas e férteis do Brasil. Portanto, tratava-se de um elemento estratégico geopolítico e militar decisivo. Essa preocupação geopolítica permaneceu na formulação da política externa brasileira ao longo do século XX.


As relações bilaterais entre Brasil e Uruguai: breves apontamentos


Em relação à região do Rio da Prata, a diplomacia brasileira dos tempos de Vargas manteve as diretrizes implantadas pelo Barão do Rio Branco (1902-1912): a defesa da estabilidade política regional; a não intervenção nos assuntos internos dos países vizinhos e a permanente preocupação de manter o entendimento e o diálogo fluido com Buenos Aires. A política varguista dava continuidade à adesão, à solução pacífica de controvérsias e à preocupação em aumentar o comércio regional, mas não estava totalmente descartada a hipótese de guerra com o vizinho argentino (DORATIOTO, 2014).


Para Eduardo Svartman (1999), a construção da hegemonia brasileira na região não se restringia apenas à presença econômica e à superioridade militar, mas envolvia também o campo político-diplomático propriamente dito. No decorrer do Estado Novo, o Itamaraty imprimiu uma orientação no sentido de intensificar a presença política brasileira nos demais países latino-americanos, especialmente naqueles que faziam fronteira tanto com o Brasil quanto com a Argentina. No plano bilateral, o governo brasileiro também executaria uma política ativa, cuja orientação era ampliar sua presença política e econômica sobre seus principais vizinhos, em especial Uruguai e Paraguai.


Para isso, o Brasil explorava disputas históricas entre os países. Exemplo dessa tradicional rivalidade no Prata entre Argentina e Uruguai foi a ruptura das relações diplomáticas de julho a setembro de 1932 (NAHUM, 1996). Mais uma vez os países platinos rompiam relações diplomáticas por motivos de asilo político para opositores do país vizinho, as chamadas “atividades de elementos subversivos” no território de um ou outro. Depois de dois meses do rompimento, Juan José de Amézaga foi enviado por Gabriel Terra, como agente confidencial, a Buenos Aires para retomar as relações, e obteve sucesso. Enquanto isso, as relações com o Brasil se intensificaram.


Nesse contexto, como contrapeso à Argentina, as relações do Brasil com o Uruguai mereceram certa atenção da diplomacia brasileira e da diplomacia uruguaia (GOMES, 2017). Com maior estabilidade política, apesar das radicalizações ideológicas entre integralistas e comunistas, Vargas passou a valorizar uma presença mais ativa na região platina, orientada para a ampliação da atuação política e econômica sobre seus principais vizinhos. Segundo o presidente brasileiro, com os países americanos, particularmente:


continuamos a praticar uma política de franca e crescente aproximação. Desejamos ampliar, cada vez mais, as relações de boa vizinhança, dando-lhes um caráter de verdadeira solidariedade continental, e transportando-as mesmo para o terreno da cooperação econômica. (VARGAS, 1938, p. 88)

A constatação de que as delegações do Brasil no exterior e as missões diplomáticas brasileiras constituíam verdadeiros “postos de observação” da conjuntura internacional, para orientar as ações do governo em sua política externa, facilitou a criação e organização de uma agência anticomunista no governo Vargas, junto ao Ministério das Relações Exteriores. Criada oficialmente em 1937, junto ao Ministério das Relações Exteriores, a agência de Serviços de Estudos e Investigações (SEI) teve como objetivo central dar suporte à política de combate à oposição, particularmente aos militantes partidários e sindicais, sendo um grande facilitador para que os órgãos do governo monitorassem as conexões dos comunistas brasileiros além das fronteiras do país (NEPOMUCENO, 2018).


Nessa temática, houve cooperação e aproximação dos governos brasileiro e uruguaio, com trocas de informações das polícias políticas e das chancelarias para tomadas de medidas de repressão aos seus respectivos opositores. A historiadora uruguaia Ana María Rodríguez Ayçaguer (2008) enfatiza que o combate aos chamados “subversivos” foi um dos cinco pontos que resumiu a agenda bilateral entre Brasil e Uruguai no período. Essa aproximação implicou não mais em meras recomendações ou prisões de opositores de ambos os lados, mas no rompimento das relações do Uruguai com a União Soviética, por pressão do governo brasileiro, em dezembro de 1935. A alegação do Brasil era de que a União Soviética, que tinha amplos acordos comerciais com o Uruguai, ajudou o Partido Comunista Brasileiro na organização dos levantes de 1935. Mesmo sem comprovação convincente, a pressão brasileira levou o governo uruguaio, contra sua vontade, mas em nome dos pactos entre países americanos, a romper, durante muitos meses, suas relações comerciais com a União Soviética. Inaugurava-se naquele momento, dentro do governo Vargas, a atuação ativista de uma diplomacia voltada para consecução de políticas anticomunistas (NEPOMUCENO, 2018).


Na verdade, Getúlio Vargas já vinha mantendo entendimento com o governo uruguaio desde o golpe de Estado desferido, em março de 1933, por Gabriel Terra e seus aliados. Documentos diplomáticos atestam que Terra contou com Vargas para deter os opositores de seu governo que adentraram o território brasileiro pela fronteira, logo após o golpe. Em contrapartida, o Uruguai ajudou o governo do Brasil a impedir o trânsito entre comunistas brasileiros e uruguaios. Em 1937, a polícia política uruguaia conseguiu desbaratar um núcleo de opositores a Getúlio, liderados por Flores da Cunha, ex-governador do Rio Grande do Sul, que desde a Argentina e o Paraguai se articulavam em Montevidéu para marchar contra o governo de Vargas.


Visita de Getúlio Vargas à Montevidéu, capital Uruguai, em 1935, durante a ditadura do colorado Gabriel Terra (1933-1938).
Visita de Getúlio Vargas à Montevidéu, capital Uruguai, em 1935, durante a ditadura do colorado Gabriel Terra (1933-1938). Reprodução.

Durante os anos mais tenebrosos da ditadura terrista, muitos uruguaios conseguiram asilo no Brasil, retornando somente alguns anos depois. Esses foram os casos de Tomás Berreta, que voltou para o Uruguai somente em 1942 e foi eleito presidente em 1947, e Luís Batlle Berres, que regressou para ser vice de Berreta, e o substituiu como presidente entre 1947 e 1951. Outros tantos brasileiros também se exilaram no Uruguai, como Jorge Amado, Cândido Portinari, Lídia Besouchet, Newton Freitas, entre outros (NEPOMUCENO, 2015).


O Estado Novo e Vargas sob a ótica dos uruguaios


Em novembro de 1937, com a implantação da ditadura do Estado Novo, mais uma vez as relações brasileiro-uruguaias foram testadas. Nessas circunstâncias, a cooperação fronteiriça como política de vigilância dos opositores a Getúlio Vargas marcou esse momento de consolidação de seu poder. O Uruguai, por sua vez, vivia a transição de governos terristas. Durante o governo de Alfredo Baldomir, marcado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial, ocorreram mudanças significativas nos cenários internacional e regional que afetaram as relações bilaterais com o Brasil. Isso porque, apesar de ser um dos seguidores de Terra, Baldomir prometeu mudanças significativas na condução de sua política, sobretudo na política doméstica com a redemocratização do país.


Documentação da diplomacia uruguaia sobre o Brasil. In: Política del Brasil. Informaciones-1937. Legación en el Brasil. Serie Brasil (1930-1940). Caja 4 (1935-1945). Carpeta No. 231; AMREU.
Documentação da diplomacia uruguaia sobre o Brasil. In: Política del Brasil. Informaciones-1937. Legación en el Brasil. Serie Brasil (1930-1940). Caja 4 (1935-1945). Carpeta No. 231; AMREU.

No Brasil, desde maio de 1937 pelo menos, os planos para isolar o Rio Grande do Sul com tropas federais avançaram, pois, segundo o presidente, “havia indícios de que Flores da Cunha preparava um movimento armado” (MCCANN, 2009). Para Vargas, o governador gaúcho representava a pedra angular da potencial oposição política dos estados à centralização: os políticos de outros estados provavelmente não se mexeriam sem sua liderança. Os movimentos políticos varguistas, culminados com a instauração do Estado Novo, não eram novidade para os círculos políticos e diplomáticos uruguaios. El País, jornal nacionalista, de 8 de outubro de 1937, por exemplo, divulgava em um de seus artigos “Se esta gestando em Brasil-friamente- la implantación de una dictadura militar. Un ataque a las instituciones”. [I] Já o periódico El Diário, em 19 de outubro, estampava em sua capa: “En el tren internacional llegó esta mañana a Montevideo el General José A. Flores Da Cunha.” [II] Um dos principais opositores do presidente brasileiro, Flores da Cunha, instalara-se em Montevidéu, exilado. Desde sua passagem por Rivera, era observado atentamente pela diplomacia uruguaia. [III]


No mês seguinte, após a implantação da ditadura do Estado Novo, um novo embaixador foi designado para ocupar a embaixada em Montevidéu para seguir os passos de Flores da Cunha. Em nota emitida ao chanceler uruguaio, em 4 de janeiro de 1938, João Batista Lusardo oficializou o pedido de vigilância policial ao político gaúcho. Essa assistência política e policial num momento em que o Brasil se encontrava sob “estado de emergência”, conforme enfatizava o embaixador brasileiro, era necessário para prevenir ações futuras e conspiratórias dos opositores de Vargas residentes na capital uruguaia. O governo brasileiro jurava tratamento de reciprocidade, caso fosse necessário. Dias depois, em encontro com Vargas em Uruguaiana, Lusardo confirmava o apoio do governo terrista. [IV]


Em Montevidéu, ao substituir Lucílio da Cunha Bueno, acusado de manter contato com Flores da Cunha, o novo embaixador brasileiro tinha um objetivo muito claro: vigiar e combater as ações políticas do ex-governador do Rio Grande do Sul e demais opositores (SVARTMAN, 1999). Assim, ao se aproximar de Gabriel Terra, Lusardo conseguiu que o governo uruguaio determinasse um regime de liberdade vigiada para o político gaúcho. Organizou-se um dispositivo legal para monitorá-lo, tal como a embaixada brasileira em Buenos Aires tinha solicitado ao governo argentino.


Entretanto, mesmo exilado em Montevidéu, Flores da Cunha empreendia campanhas contra o governo Vargas. Em janeiro de 1939, ele foi responsável por um artigo publicado em português intitulado “Panorama financeiro e econômico do Brazil”, no jornal El País, com diversas críticas ao Estado Novo. Apesar de Flores da Cunha não ter assinado o artigo, Lusardo descobriu que a autoria era do político gaúcho, que mantinha relações próximas com ex-senador Rodriguez Larreta e seu cunhado e ex-embaixador em Buenos Aires, Leonel Aguirre, ambos dirigentes do jornal nacionalista. No entanto, sua ligação com o blanco Luís Alberto de Herrera era ainda mais forte, segundo o embaixador brasileiro. Não teria publicado a matéria crítica ao governo brasileiro no jornal de Herrera, El Debate, pois ficaria evidente a sua autoria. [V]


Inicialmente prevista para durar apenas o período necessário para obstruir as atividades políticas de Flores da Cunha, a estadia de Lusardo na capital uruguaia se prolongou até outubro de 1945, com a deposição de Getúlio Vargas. Sendo o diplomata brasileiro que permaneceu mais tempo em Montevidéu, Lusardo conquistou certa notoriedade nos ambientes políticos e sociais uruguaios. Nesse sentido, foi figura fundamental da política varguista para o Uruguai, uma vez que sua longa permanência na cidade implementou uma aproximação entre os países, tanto em termos políticos quanto econômicos e culturais.


Além da assinatura de acordos e do incremento do comércio bilateral, Lusardo encabeçou os esforços do Itamaraty para tornar o Brasil mais presente no vizinho meridional, pela inauguração de linhas regulares de trem e de avião entre os países. Do ponto de vista político, a embaixada brasileira teve êxito junto aos governos uruguaios do período, conseguindo desde a colaboração da polícia local na vigilância de Flores da Cunha até a obtenção de informações sigilosas a respeito da Argentina, cuja influência política na região preocupava tanto o governo brasileiro quanto o de Montevidéu. Antes mesmo da Conferência do Rio de Janeiro, em 1942, por exemplo, o Brasil consolidara o apoio do Uruguai à sua política para o Prata, de forma que Lusardo indicou Alberto Guani, chanceler uruguaio, para assessorar Oswaldo Aranha nos trabalhos dessa conferência (SVARTMAN, 1999, p. 65).


João Batista Lusardo em reunião com o presidente do Uruguai, Alfredo Baldomir, o chanceler Alberto Guani e o ministro Juan José de Amézaga. Fonte: LUSARDO, João Batista. Discursos parlamentares. Seleção, Introdução e Notas de Glauco Carneiro. Brasília, Câmara dos Deputados, 1983, p.658).
João Batista Lusardo em reunião com o presidente do Uruguai, Alfredo Baldomir, o chanceler Alberto Guani e o ministro Juan José de Amézaga. Fonte: LUSARDO, João Batista. Discursos parlamentares. Seleção, Introdução e Notas de Glauco Carneiro. Brasília, Câmara dos Deputados, 1983, p.658).

O Uruguai, por sua vez, mantendo sua “neutralidade aliadófila”, passava por mudanças de governos colorados. Em 1º de março de 1943, Alfredo Baldomir transmitiu seu mandato presidencial para Juan José de Amézaga, declaradamente pró-aliado e pró-norte-americano. Seu governo foi marcado por intensos e ferrenhos debates políticos acerca do envolvimento ou não de seu país no conflito mundial, sobretudo, após a participação efetiva do Brasil com envio de tropas. Alberto Guani, chanceler de 1938 a 1943 e vice-presidente de 1943 a 1947, passou de um governo transitório em termos de redemocratização para a consolidação aliadófila do governo Amézaga com inalterável adesão a Washington: da neutralidade ao compromisso bélico. Para Romeo Pérez Antón (2010), se dependesse pessoalmente de Guani, o Uruguai teria declarado guerra ao Eixo imediatamente após os ataques de Pearl Harbor. O presidente Amézaga, em seu primeiro discurso público, destacou que nada mudaria em relação à condução da política externa uruguaia. Segundo ele:


Uruguai permanecerá solidário com os países do continente americano e manterá os laços fraternais que o unem aos seus dois grandes vizinhos: Argentina e Brasil. A nação reprova energicamente o regime das ditaduras que impuseram ao mundo a mais cruel das guerras, verdadeiro desafio à civilização. [VI]

De toda forma, o Uruguai rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo em 25 de janeiro de 1942. Anteriormente, o país tinha assumido uma postura de neutralidade inclinada para os beligerantes antifascistas e compatível com a solidariedade continental em sistema defensivo (ANTÓN, 2010). Apesar de ter assumido uma postura pró-aliada desde o início do conflito, o país declarou guerra ao Eixo somente em fevereiro de 1945. Em contrapartida, no dia 22 de agosto de 1942, o Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália. A decisão não foi fácil, sobretudo diante da penúria e despreparo bélico das Forças Armadas. A declaração de guerra era uma resposta ao afundamento de cinco navios de passageiros pelo submarino alemão U-507, entre os dias 15 e 17 de agosto, matando 605 brasileiros no litoral de Sergipe e da Bahia. Durante dois dias, na capital do país, em diversas capitais de estados e em inúmeros municípios, ocorreram manifestações, passeatas e comícios condenando a atitude do governo alemão e exigindo que Vargas declarasse guerra à Alemanha (FERREIRA, 2017).


A Segunda Guerra Mundial redefiniu os contextos mundial e regional. Desde o momento em que o Brasil se definiu pela democracia contra o totalitarismo nazifascista, o governo de Getúlio viu-se condenado. O Estado Novo foi se deteriorando à medida que a guerra chegava ao fim. Muitas forças sociais, inclusive os militares, que haviam apoiado o regime, se adaptaram rapidamente às novas tendências internacionais e afirmavam seu apoio à causa democrática, enquanto os ataques dos descontentes se concentravam sobre o presidente Vargas. Fossem neodemocratas por conveniência ou convicção, o fato é que a conversão desses líderes desempenhou um papel expressivo na erosão do apoio ao regime varguista (MOURA, 2012).


Banquete ao Presidente Baldomir na Embaixada do Brasil. Fonte: Embaixada do Brasil em Montevidéu
Banquete ao Presidente Baldomir na Embaixada do Brasil. Fonte: Embaixada do Brasil em Montevidéu. LUSARDO para ARANHA, Montevidéu, of. nº 357, 17.10.1941. Banquete ao Presidente Baldomir na Embaixada do Brasil. In: Set-Dez/1941; AHI, RJ; 33/4/11.

A partir da documentação consultada e analisada, pode-se concluir que as relações diplomáticas entre Brasil e Uruguai durante o Estado Novo foram, predominantemente, amistosas. No entanto, estas não estiveram livres de pressões, tensões e conflitos, sobretudo, a partir do início da II Guerra Mundial. Tradicionalmente, no Rio da Prata, as relações bilaterais entre Brasil e Uruguai serviram como um contrapeso às relações conflitantes entre Brasil e Argentina, e às relações hostis entre Uruguai e Argentina.


Com a instalação do Estado Novo, houve uma reafirmação das relações brasileiro-uruguaias. Isso, em grande medida, por conta da aproximação político-ideológica dos regimes políticos daquele período, isto é, os governos terristas de Gabriel Terra (1931-1938) e Alfredo Baldomir (1938-1942), no Uruguai, e o governo estado-novista no Brasil (1937-1945). Nem mesmo com as mudanças de regimes políticos houve o esfriamento das relações brasileiro-uruguaias. É verdade que as preocupações e tensões com a Argentina contribuíram para essa proximidade entre os países. Por conseguinte, o Uruguai esteve mais próximo do Brasil, bem como assumiu posturas convergentes às posições brasileiras em fóruns pan-americanos.


Por fim, podemos dizer que Getúlio Vargas não era uma unanimidade; não era visto de forma homogênea pelos políticos, diplomatas e militares uruguaios. De todo modo, ele era um aliado necessário para se opor e contrabalancear ao vizinho agressivo do outro lado do Rio da Prata. Constata-se que o olhar de um país vizinho como o Uruguai tem muito a contribuir para o estudo do funcionamento político e diplomático do Brasil.


 

Notas:


[I] El País, 8 de octubre de 1937. In: Ofício No. 214, de 22 de outubro de 1937. Lucílio da Cunha Bueno ao Ministro Mário de Pimentel Brandão. Situação política do Brasil. Ofícios. Set/1937-Fev/1938. Embaixada brasileira em Montevidéu. In: AHI, Rio de Janeiro.

[II] El Diário, 19 de octubre de 1937. In: Ofício No. 214, de 22 de outubro de 1937. Lucílio da Cunha Bueno ao Ministro Mário de Pimentel Brandão. Situação política do Brasil. Ofícios. Set/1937-Fev/1938. Embaixada brasileira em Montevidéu. In: AHI, Rio de Janeiro.

[III] Telegrama de 18 de octubre de 1937. Garibaldi Batello, cónsul uruguayo en Rivera, al Ministro de Relaciones Exteriores. Diplomacia. Montevideo. In: Política del Brasil. Informaciones-1937. Legación en el Brasil. Serie Brasil (1930-1940). Caja 4 (1935-1945). Carpeta No. 231; AMREU.

[IV] Nota no. 2, de 4 de janeiro de 1938. João Batista Lusardo ao Ministro de Estado das Relações Exteriores José Espalter. In: Ofícios. Mar/Jul. 1938. Embaixada brasileira em Montevidéu. AHI, Rio de Janeiro; 33/3/9.

[V] Ofício No. 6, de 17 de janeiro de 1939. João Batista Lusardo ao Ministro Oswaldo Aranha. Campanha contra o Brasil por brasileiros. In: Ofícios. Nov/1938-Jan/1939. Embaixada brasileira em Montevidéu. AHI, Rio de Janeiro; 33/3/11.

[VI] Tradução nossa. Telegrama No. 231, de 16 de marzo de 1943. Joseph de Neef, ministro de Bélgica, comenta el discurso inaugural del nuevo Presidente de la República, Juan José Amézaga, y el nombramiento de José Serrato en el Ministerio de Relaciones Exteriores. In: NAHUM, 1998; p. 484.


Referências:


ANTÓN, Romeo Pérez. Política exterior uruguaya del siglo XX. Montevideo, Ediciones de la Plaza, 2010.

BASTOS, Pedro Paulo Zahluth; FONSECA, Pedro Cezar Dutra. (Orgs.). A Era Vargas: desenvolvimento, economia e sociedade. São Paulo: Editora UNESP, 2012.

DE LOS SANTOS, Clarel. El péndulo magnetizado: las relaciones de Uruguay con Brasil durante la II Guerra Mundial. Montevideo, Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, Avances de Investigación, 2011.

DORATIOTO, Francisco. O Brasil no Rio da Prata. Brasília: FUNAG; 2014.

FREGA, Ana et al. Historia del Uruguay en el siglo XX: 1890-2005. Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 2011.

GOMES, Rafael Nascimento. As relações diplomáticas entre Brasil e Uruguai (1931-1938). O Brasil de Getúlio Vargas visto pelo Uruguai de Gabriel Terra. Jundiaí: Paco Editorial, 2017.

______. O comunismo e o anticomunismo entre o Brasil e o Uruguai ao longo da década de 1930. In: Revista Latino-Americana de História. UNISINOS; vol. 7, n. 19-jan/jul de 2018; p. 171-189.

NEPOMUCENO, Maria Margarida Cintra. A missão cultural brasileira no Uruguai: A construção de uma modelo de diplomacia cultural do Brasil na América Latina. Tese de doutorado – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM/USP), São Paulo, 2015.

ODDONE, Juan Antonio. El Uruguay entre la depresión y la guerra. 1929-1945. Montevideo, FCU/FHCE, 1990.

SVARTMAN, Eduardo Munhoz. Diplomatas, políticos e militares. As visões do Brasil sobre a Argentina durante o Estado Novo. Passo Fundo: EDUPF, 1999.

VARGAS, Getúlio. Diários. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: FGV; 1995.


Como citar este artigo:  

GOMES, Rafael Nascimento. Getúlio Vargas visto pelo vizinho uruguaio. História da Ditadura, 29 jan. 2024. Disponível em: https://www.historiadaditadura.com.br/post/getúlio-vargas-visto-pelo-vizinho-uruguaio. Acesso em: [inserir data].



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