Glossário histórico da África: Colonialismo II (Séculos XIX-XX)
Atualizado: 9 de mai. de 2022
“Los mexicanos saliron de los índios, los brasileños saliron de la selva, pero nosotros, los argentinos, llegamos de los barcos (Os mexicanos saíram dos índios, os brasileiros saíram da selva, mas nós os argentinos, chegamos de barcos).” Alberto Fernández, presidente da Argentina.
No texto anterior desta coluna, afirmei que colonialismo era um termo histórico que se dava pela confluência de sentidos em uma única palavra/conceito (coletivo-singular), podendo ser utilizado em períodos diversos. Nela, quis demonstrar que, desde o início da modernidade, o sentido de colonialismo (colonização), no século XV, conectava-se com o sentido de neocolonialismo (imperialismo), no século XIX. Por mais que o primeiro fosse para fins de expansão marítima e o segundo por um viés de interiorização territorial, ambos traziam em sua essência a raiz da dominação de outros povos, utilizando-se dos recursos argumentativos mais eficientes em cada época para alcançar esse objetivo.
Inicialmente, no último quartel do século XIX, o leque de palavras que surgem para definir a exploração de uma sociedade por outra se ampliou. É com essa base de termos e de conceitos, que continuo neste segundo texto o glossário do termo colonialismo, destacando um novo período. Neste texto, irei continuar falando do colonialismo, agora desdobrando expressões aplicáveis aos séculos XIX e XX. Três conceitos se juntam aos já conhecidos e trabalhados na primeira coluna: império colonial, ultracolonialismo, colonialismo tardio.
Primeiramente, o conceito de império colonial é um termo jurídico que surgiu após a formação institucional do controle ultramarino sobre os continentes africano e asiático, sendo aplicado para expressar de cima para baixo a força das potências europeias. Do ponto de vista de cima, a imagem imperial era uma forma de expor aos seus habitantes que não somente as dimensões geográficas do velho continente faziam parte do controle dos países colonizadores, mas também o além-mar “indígena”. Assim, seria de posse e de direito dos europeus terem no ultramar um império para administrar, conforme afirma o historiador Miguel Jerónimo. O termo vinha na esteira de uma mentalidade colonial que defendia a interação e a ocupação da população de classe média dos colonizadores também em solos africano e asiático na década de 1890.
Com o conceito império colonial também se defendia a noção de uma cultura superior onde os estrangeiros traziam aos subordinados os padrões de comportamento e civilidade assentados em uma tradição inventada para os povos dominados, conforme analisou o historiador Terence Ranger. Portanto, seria um “fardo” para o homem branco ter que levar à “periferia” mundial algum resquício de alta e boa cultura. No seu status, a denominação “império colonial” era tanto a expansão real quanto a expansão imaginária de uma cultura exploradora em território alheio.
Entre a partilha da África e da Ásia e a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a sociedade europeia passava por uma crise de identidade, dado o padrão cultural que era predominantemente boêmio e que estava em declínio por causa da necessidade da guerra, aonde homens iam às trincheiras e mulheres passaram a ir às fábricas. Sua forma de ação e respostas ao problema se deu paralelamente aos debates da crise das últimas monarquias semiabsolutistas na Europa. O fator externo para o confronto bélico foi o mercado nas colônias financiado por empresas estrangeiras que tiravam dinheiro de um país para empregar em outro, conforme Lênin associou o seu uso do termo de imperialismo, como o estágio superior do capitalismo. O conceito, portanto, abarca até o fim da Primeira Guerra Mundial, quando se notou a ampla contradição em que o capitalismo financeiro estava entrando.
O segundo termo foi chamado pelo historiador Perry Anderson de ultracolonialismo. Indo ao encontro de Lênin, que dizia que o imperialismo parecia ser o fim de si próprio, essa insistência em manter um colonialismo puramente explorador seria uma aposta dobrada no erro que o próprio sistema infraestrutural capitalista faria contra si mesmo. Esse segundo termo faz referência ao processo de neocolonização “arcaica”, até mesmo para os padrões pré-guerra, levada a cabo por Portugal e Espanha até o segundo pós-guerra.
A política colonial nos países da Península Ibérica era muito similar ao formato do século XIX, apostando numa política autofágica que viria a desembocar, num primeiro momento, na crítica externa ao modelo colonial vigente. Esse conceito pode ser aplicado desde o Tratado de Paz de Versalhes (1919) até a década de 1960, quando os colonialismos espanhol e português começaram a arrefecer em função de pressão externa para ampliação do mercado livre e acessível dos países com menor grau de desenvolvimento e da pressão interna com a mobilização da luta anticolonial.
No ano de 1960, alcançando primeiramente os impérios coloniais da Inglaterra e da França, a pressão fez com que a grande maioria das nações europeias levasse à independência de suas colônias, seja por causa de guerras ou por acordos diplomáticos. Nesse ano, trinta e três países africanos se tornaram autodeterminados e passaram a constituir governos locais. Contudo, as potências portuguesa e espanhola, que já passavam por problemas de gestão interna e externa, não aceitaram dar a autodeterminação dos povos.
Daí por diante, esse processo demorado de liberdade e a insistência em afirmar seu império colonial denomina-se colonialismo tardio, o terceiro conceito desta coluna. Como explica Jacques Le Goff, em história, o complemento “tardio” tem o sentido de transição, um momento misto entre o mundo que está terminando e o novo que ainda não nasceu. No caso do colonialismo, o tardio se dá pela persistência das potências em manter seu império colonial em um tempo em que os demais atores políticos mundiais não mais aceitavam.
Neste período, que vai de 1960 a 1980, as guerras de libertação (anticoloniais) foram a maneira encontrada para que os povos subjugados “tardiamente” pudessem buscar a independência oficial de seus territórios. A tragédia do colonialismo tardio consistiu em ampliar as divergências internas criando facções políticas que lutavam tanto contra o colonizador como contra eles mesmos. Acontecia, em algumas situações, uma guerra civil paralelamente a uma guerra de libertação, tanto que após a expulsão da administração colonial, muitos países tiveram guerras de nativos contra nativos para agora ter um poder mais hegemônico na administração independente.
Como podemos ver, o século XX foi o momento mais farto em matéria de modelos e de trajetórias coloniais, por viverem simultaneamente. O psicanalista Frantz Fanon via nessas semelhanças uma ordem opressora maior do que a econômica. Era uma ordem psicológica e simbólica de corpos e mentes. Por isso, este glossário busca elencar os elementos mais importantes das sociedades colonizadoras e colonizadas, demonstrando que a relação além-mar do conceito polissemântico colonialismo ainda se mantém, inclusive no continente americano, a exemplo da colocação de sentido racista e colonial do presidente argentino Alberto Fernández.
Citada no início deste texto, a fala foi feita no dia 9 de junho de 2021, em evento com o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez. A frase atribuída erroneamente por ele ao escritor Octavio Paz, afirma que a natureza da Argentina não é do continente americano (e indígena), mas sim do continente europeu. Em seu discurso, o presidente argentino disse que também se vê como europeu e, ao acenar para chefe do governo espanhol, demonstra certa relação de gratidão histórica entre as duas nações.
Essa frase, no contexto de relações diplomáticas, é sinal de um colonialismo estrutural ainda hoje presente nas sociedades menos desenvolvidas no mundo. A colocação demonstra como as noções coloniais de dependência expressas nesta e na coluna anterior são atuais, ainda que vindas de um governante de esquerda. Esse caso é de um colonialismo não mais impositivo e institucional, mas ainda reminiscente e condutor de práticas sociais, culturais e políticas. Diante da presença no tempo presente do colonialismo, retornaremos com a parte três deste verbete, expandindo-o para o século XXI.
Referências
FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. 194p.
ANDERSON, Perry. Portugal e o fim do ultracolonialismo. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1966.
JERÓNIMO, Miguel Bandeira. A Diplomacia do Império: Política e Religião na partilha de África (1820-1890). Lisboa: Edições 70, 2012.
__________; PINTO, Antônio Costa. As dimensões internacionais e o fim de Império colonial português. In: Portugal e o Fim do Colonialismo: Dimensões internacionais. Lisboa: Edições 70, LDA, 2014.
LE GOFF, Jacques. O Deus da Idade Média: conversas com Jean-Luc Pouthier. 4º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. 128p.
LENINE, Vladimir. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. 4° ed. São Paulo: Editora Centauro, 2010.
RANGER, Terence. A Invenção da tradição na África Colonial. In: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. (Orgs.). A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra. 2012. pp. 219-270.
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