O projeto de nação brasileira que demoliu o Palácio Monroe
Atualizado: 29 de abr. de 2021
Monografia: Brasilidades em disputa: as lutas de representações e narrativas nacionais no processo de demolição do Palácio Monroe (1960-1976)
Autor: Lucas de Souza Avelar (Lattes | Monografia)
Orientadora: Maria Aparecida Rezende Mota
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019
1. Qual a questão central da sua pesquisa?
Procurei examinar as divergências narrativas da elite intelectual brasileira quanto ao que poderia ou não ser considerado Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na década de 1970, para, desta forma, compreender quais projetos de identidade nacional estavam em xeque no período da ditadura militar e qual foi o projeto vencedor.
2. Resumo da pesquisa
A pesquisa que desenvolvi concentra-se na disputa entre os que propunham o tombamento do Palácio Monroe como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, na década de 1970, e aqueles que defendiam sua demolição, o que acabou por acontecer. Edificado na então capital federal, em 1906, o Monroe abrigou o Senado Federal a partir dos anos 1920. O Palácio era a materialização do projeto republicano que, no início do século XX, ainda procurava legitimar-se no imaginário social mobilizando signos que associassem o novo regime à modernização e ao progresso da nação. Já nos anos 1970, o arrasamento do Monroe inscrevia-se no debate sobre os valores arquitetônicos que deviam, ou não, serem preservados como o rosto da nação brasileira. Esse processo de apagamento pode ser interpretado como parte de uma luta de representações entre grupos sociais distintos. Para comprovar esta hipótese, analisei os discursos desses grupos, procurando discernir, sobretudo, os significados da perspectiva preservacionista adotada por setores expressivos das elites intelectuais da década de 1970 e presente na proposta de manutenção do Palácio Monroe. A principal fonte examinada é o Processo de Tombamento nº 860-T-72, sob a guarda do IPHAN, no qual recomenda-se a conservação do Monroe, uma vez que a edificação integrava o conjunto arquitetônico da Avenida Rio Branco, principal legado das reformas urbanas do início do século XX que teriam transformado o Rio de Janeiro em uma capital republicana e integrado o Brasil ao concerto das nações civilizadas. Apesar de o conjunto ter sido preservado, o Palácio e seu testemunho histórico foram apagados. Minha hipótese central foi de que, nessa luta de representações, a derrota dos agentes sociais que procuravam formular certa identidade brasileira, mobilizando o discurso da patrimonialização de vestígios materiais do passado, evidencia um novo projeto estético, em termos de arquitetura e urbanismo, que expressa, também, um novo projeto de nação que se quer mais comprometida com a inovação e com o futuro.
3. Quais foram suas principais conclusões?
A disputa entre o velho e o novo no espaço urbano foi elemento singular de consolidação de contradições urbanas que criaram, na cidade, rugosidades temporais. Em uma relação próxima ao parasitismo, tempos históricos distintos convivem a partir da atuação – ou ausência – das políticas de preservação patrimonial. Entre a especulação imobiliária e as preocupações com a salvaguarda da memória da cidade, o Rio de Janeiro, na segunda metade do século XX, tornou-se campo para disputa entre representações que valoram concepções distintas de brasilidade. Concluí, em primeiro lugar, com o exame destas disputas, que a perspectiva preservacionista de setores da elite intelectual brasileira na década de 1970, não considerava suficientemente os valores históricos e simbólicos atribuídos ao Palácio Monroe, priorizando as qualidades artísticas e os fundamentos da “boa arquitetura” para decidir, ou não, pelo tombamento do bem material. Em segundo lugar, apontei que a transferência da capital em 1960 implicou uma luta de representações coletivas, que resultou no enfraquecimento simbólico, político e econômico do Rio de Janeiro, como espelho e vitrine da nação. Destaquei, também, a intencionalidade do governo Geisel em consolidar uma nova identidade regional para o recém-criado estado da Guanabara, no intuito de consolidar Brasília como capital política e solucionar o problema da “duplicidade de capitais”. Por fim, compreendi que as narrativas nacionais em oposição na ditadura militar não foram elaboradas concomitantemente. Procurei demonstrar as diferenças, no plano simbólico e no plano econômico, dos projetos de nação que se expressavam por meio da Arquitetura e de modelos urbanos distintos, especialmente na disputa entre Brasília e Rio de Janeiro e o papel do governo Geisel na consolidação deste novo projeto nacional que se iniciou nos anos 1950 com o nacional desenvolvimentismo.
4. Referências
Márcia Regina Romeiro Chuva. Os arquitetos da memória. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2017.
Angela de Castro Gomes (Coord.). Direitos e cidadania: memória, política e cultura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
Reinaldo Gonçalves. Desenvolvimento às avessas: verdade, má-fé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento. Rio de Janeiro: LTC, 2013.
Maria Cecília Londres Fonseca. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2017.
Marly Silva da Motta. De grande capital a mera cidade: o destino do Distrito Federal após a transferência da capital para Brasília. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 1994. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10438/6827>.
Margarida de Souza Neves. As vitrines do progresso. Rio de Janeiro: PUC-Rio/FINEP/CNPq, 1986.
Lucas de Souza Avelar é mestrando no Programa de Pós-Graduação em História da UNIRIO. É licenciado e bacharel em História pela UFRJ e atuou durante três anos como monitor de Teoria e Metodologia da História no Instituto de História da mesma instituição. Foi estagiário no Departamento de Cultura da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, onde realizou mediação cultural na Exposição Permanente “Palácio Tiradentes: Lugar de Memória do Parlamento Brasileiro”. Atualmente, integra a Linha de Pesquisa de Patrimônio, Ensino de História e Historiografia do PPGH/UNIRIO.
Caso queira divulgar sua pesquisa sobre temas relacionados às ditaduras latino-americanas do século XX ou sobre questões do Brasil contemporâneo, não necessariamente na área de História, escreva para o email: hd@historiadaditadura.com.br
Crédito da imagem destacada: O Palácio Monroe num cartão-postal anterior a 1930. Autor desconhecido. Creative Commons.
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