Digital History Influencers: os limites entre a comunicação
Atualizado: 28 de abr. de 2021
Há pelo menos dois meses, a internet vem sendo a maneira mais segura de contato com nossos amigos, familiares e colegas de trabalho. Por mais que o digital seja uma constante em nossa vida desde antes da pandemia da COVID-19, é perceptível o estreitamento de nossas relações com computadores, celulares e gadgets de forma geral. Podemos observar uma migração em massa para as plataformas digitais, como é o caso de algumas instituições de ensino, os concertos musicais e diversas outras práticas que costumam, ou costumavam ser, total ou parcialmente presenciais. Temos, dessa forma, a pandemia como catalisador de um movimento que já vinha ocorrendo há alguns anos.
Pensando nas humanidades e, em especial, no campo da História, a quarentena incentivou e fortaleceu um movimento que vinha crescendo desde o início de 2019: a criação de dezenas de iniciativas de divulgação e produção de conteúdo histórico nas redes sociais. Por meio de podcasts, páginas de Facebook, perfis no Instagram ou no Twitter e mesmo algumas poucas contas no TikTok, os historiadores tomaram para si – e continuam tomando – a tarefa de produtores de conteúdo nas redes sociais. Para além das novas páginas criadas, outro movimento que vem ocorrendo é a transmissão, por parte de laboratórios de diferentes departamentos de História ou de projetos de divulgação histórica, de lives com professores universitários e especialistas de diferentes áreas falando sobre seus temas de pesquisa para um público que varia das dúzias às centenas.
Em um panorama de crise generalizada no Brasil, a maioria de nossas universidades estão impossibilitadas de continuar funcionando. As lives, os vídeos e os podcasts tornam-se, assim, importantes instrumentos para manter, mesmo que à distância, o diálogo entre historiadores. Mantermo-nos intelectualmente ativos e conectados é, mais do que nunca, fundamental, sobretudo em um contexto de radicalização e de recrudescimento de políticas autoritárias governamentais.
No entanto, é preciso tomar cuidado para não cairmos nas armadilhas dos algoritmos, que podem nos trazer a ilusão de que, ao estarmos gravando lives, ou criando páginas sobre História nas redes sociais, estejamos dialogando com um público mais amplo e, consequentemente, fazendo História Pública. Lembremos sempre que a História Pública exige a compreensão de um projeto, atravessado por questões que vão desde a linguagem até um método de trabalho. Portanto, não basta ligar a câmera para que tornemos nosso conteúdo “acessável”. É preciso torná-lo acessível.
Algumas questões que aparecem neste processo dizem respeito à natureza dos debates tipicamente encontrados em páginas de grande propulsão nas redes sociais, como o caso dos Digital Influencers, que dominam a internet com memes, stories de Instagram, tuítes e vídeos no TikTok ou no YouTube.
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Uma das características de um influenciador digital é ter um grande número de seguidores. Estes não apenas acompanham as postagens, mas também consomem os produtos vendidos ou apresentados por essas celebridades, sem necessariamente participar do processo de criação de conteúdo. Dessa forma, as redes sociais são, além de um lugar de lazer, um espaço de promoção da indústria do entretenimento digital, que lucra com as visualizações, as propagandas e o assessoramento de páginas famosas.
O que vemos, também, é uma guinada política de algumas dessas páginas ou de influenciadores, como os recentes casos de Felipe Neto e Anitta. Seja em uma live com Gabriela Prioli ou no centro da Roda Viva, chama atenção a repercussão de seus interesses pela vida política brasileira e as consequentes discussões relacionadas ao passado dos dois personagens, que diversas vezes foram “cancelados” nas redes sociais, seja pela falta de posicionamento, seja por um posicionamento reacionário.
O que não pode ser negado é a importância deste debate no ambiente público e a influência de certos sujeitos neste cenário. O chamado de Felipe Neto para a luta contra o governo Bolsonaro e suas atrocidades e a atenção que Anitta chama para a necessidade da participação e da formação política neste momento são, no mínimo, interessantes, apesar de uma série de limitações.
É possível perdoar Felipe Neto e Anitta pelos “erros” do passado? Acreditamos que sim. O que não os imuniza em relação a críticas relacionadas a suas práticas no presente. Felipe Neto, por exemplo, sinalizou positivamente para os planos de governo de João Amoedo que, além de apoiar Bolsonaro nas eleições de 2018, está alinhado ao pensamento e à atividade neoliberais.
O passado é uma grande questão para quem vive da própria exposição no meio digital. Entre registros de postagens, capturas de tela e históricos de pesquisa, nada foge aos olhos “lacradores”, sempre prontos para medir reputações e desconstruções ou cortar as asas das “fadas sensatas” do mundo mágico da internet. Estamos preparados ética e emocionalmente para enfrentar a carreira de Digital History Influencers? Ou será que devemos começar a pensar mais seriamente em que tipo de prática e de diálogo com os diferentes públicos queremos ao embarcar nas redes sociais?
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Certamente, existem diferentes públicos na internet e cada tipo de conteúdo irá atingir determinado segmento. Qual é o público do historiador na internet em tempos de pandemia e de quarentena? Quem acessa as lives, os eventos e as conferências sobre História? Correndo o risco de um pessimismo “ranzinza”, não hesitamos em afirmar que falamos para nós mesmos em ambiente digital. Ocupar as redes sociais e a internet, por si só, em um mundo já tomado, há tempos, pelo digital, não significa necessariamente dialogar com novos públicos, é preciso ir além e compreender a linguagem e o funcionamento desse novo espaço.
Lembramos que, sem dúvida, nenhum historiador é obrigado a buscar novos públicos em ambiente digital, mas, mediante o lugar comum da história pública digital, é preciso que delimitemos nossas expectativas. O chamado é para que não criemos a ilusão de que o digital é suficiente para as carências de acessibilidade do conteúdo histórico que vêm sendo apontadas na historiografia nos últimos dez anos. O chamado também é para que não percamos nosso senso crítico em um ambiente marcado por uma lógica extremamente meritocrática, além de ser tomado por práticas muitas vezes irresponsáveis de sujeitos sedentos por likes.
No mundo atualista da internet, talvez nosso desafio seja desacelerar o processo. Não no sentido de nos tornarmos obsoletos, mas de desenvolver uma prática de entendimento do solo em que pisamos e, também, de que tipo de atuação não queremos ter. Não podemos deixar de defender um diálogo amigável e compartilhado com os públicos. É preciso entender os diferentes usos da internet e, principalmente, os desafios da acessibilidade em um mundo que, pautado pelo digital, exclui diversos sujeitos.
Digitalizar nossas práticas cotidianas não significa, portanto, facilitá-las. Nosso entendimento é que esse processo impõe novos desafios a partir do momento em que estar presente no digital é uma demanda no mundo contemporâneo. Isso pode explicar o elevado número de novas páginas de História surgindo em meio à pandemia. Como demonstram Valdei Araújo e Mateus Pereira, vivemos em meio a reincidentes atualizações, somos parte de um mundo que demanda um frequente “update” da vida.
Esta nossa primeira coluna é um chamado à discussão e à participação no debate relacionado ao conteúdo histórico na internet, buscando quebrar as naturalizações das redes sociais e das plataformas digitais em geral, agregando criticidade e muitos questionamentos ao debate da História no ambiente da internet e do computador.
Referência
ARAUJO, Valdei; PEREIRA, Mateus. Atualismo 1.0: Como a ideia de atualização mudou o século XXI. Mariana: Editora SBTHH, 2018
Crédito da imagem destacada: Wikimedia Commons/ Pedro Terres
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