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Foto do escritorDavid Concerva

Na terra e pela terra: o MST e as eleições no Brasil

“E qual será o papel do MST no seu governo?”. Em um país com mais de 33 milhões de pessoas passando fome, 13% de desempregados, mais de 5 milhões de crianças e adolescentes fora da escola, desmatamento crescente e quase 700 mil vítimas da covid-19 e do desgoverno de então, essa foi a última pergunta da jornalista Renata Vasconcelos ao presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva na sabatina realizada pelo Jornal Nacional no início do período eleitoral de 2022.


Naquela noite de quinta-feira, 27 de agosto de 2022, após quase 6 anos de golpes, desmontes, crimes, perversidades e cinismos, parte da população conseguia enxergar na figura do ex-metalúrgico de São Bernardo a possibilidade de um outro projeto para o país. Era uma esperança. Mas, a despeito da grave realidade nacional, o que importava mesmo era o “e o MST?”.


Contudo, apesar da tentativa tacanha e medíocre de associar o Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MST) à ilegalidade, a um suposto “terrorismo” e a uma simplificação das lutas pela terra, é preciso ressaltar que a história do Movimento é complexa e percorre inúmeros caminhos. O lance mais recente é a participação coordenada nas eleições gerais de 2022. Apesar de já ter tido candidaturas ao Parlamento identificadas com o MST em outras eleições, isso nunca tinha acontecido de forma organizada.


Para as eleições de 2022, em movimento inédito na sua história, a coordenação geral do MST articulou o lançamento de 15 candidaturas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em 12 estados brasileiros. Dessas, foram eleitos quatro deputados(as) estaduais: Rosa Amorim (PT/PE),[1] Missias do MST (PT/CE), Marina do MST (PT/RJ), Adão Pretto (PT/RS) e dois deputados federais: Marcon (PT/RS) e Valmir Assunção (PT/BA).


Após doar quase 7 mil toneladas de alimentos, 10 mil cestas básicas e 2 milhões de marmitas desde o início da pandemia, além da eleição da chamada “bancada da reforma agrária”, o MST, em 2022, inaugurou uma nova frente de atuação política. Coerente com sua história de pluralidade de lutas, ingressou no campo institucional do Legislativo com a grande responsabilidade de representar uma população excluída e violentada ao longo de décadas.


Neste momento, o MST enfrenta desafios institucionais e uma influente bancada ruralista, que domina o Congresso Nacional. A violência no campo também é um problema histórico e persistente no Brasil, relacionado diretamente à concentração fundiária, e que tem consequências profundas para os trabalhadores rurais e suas famílias.


O MST na terra e pela terra


“Nós queremos ocupar esses espaços. Porque a nossa luta é com o pé na rua, com o pé nas organizações sociais, nos movimentos sociais. Mas também com o pé no Parlamento. Porque é na unidade que nós construímos a força necessária para a gente avançar”. Assim colocou a deputada estadual Rosa Amorim (PT/PE) ao tomar posse na Assembleia Legislativa de Pernambuco no último dia 1 de fevereiro.


Deputada estadual Rosa Amorim (PT/PE) toma posse na Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE). Fonte: Instagram/Rosa Amorim.

O MST foi fundado em 1984 com o objetivo de lutar por uma reforma agrária justa e por direitos para os trabalhadores rurais. Em sua composição, há agricultores sem-terra e trabalhadores rurais, como pequenos agricultores e pescadores. Dentre suas principais formas de atuação, estão a ocupação de terras, as mobilizações sociais, a educação popular, os projetos de produção agrícola e a articulação com outros movimentos sociais.


Embora o MST seja conhecido principalmente por suas ações de ocupação de terras improdutivas, o movimento também tem importante atuação na política eleitoral brasileira. Desde sua fundação, tem buscado participar ativamente do processo político do país, apoiando candidatos e partidos que defendem suas bandeiras e projetos. Nas eleições de 1986, por exemplo, o MST apoiou 27 deputados estaduais, 17 deputados federais e 2 senadores. A maioria desses candidatos era filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) e tinha como pauta principal a luta pela reforma agrária. Por meio de publicações como o Jornal dos Trabalhadores Sem Terra, o Movimento também apresentava candidatos que detinham seu apoio nas eleições legislativas.


Capa da edição 58 do Jornal dos Trabalhadores Sem Terra, destacando as eleições de 1986. Fonte: Hemeroteca Luta pela Terra.

Para definir o apoio a esses políticos, o MST adotou os seguintes critérios: 1) “Que sejam pessoas que sempre estiveram presentes nas lutas dos trabalhadores”; 2) “Que tenham vínculos e compromissos com os trabalhadores rurais”; 3) “Que se comprometam em dar apoio material e financeiro ao Movimento”; 4) “Que não pertençam aos partidos da “Aliança Democrática porque a Nova República trai os nossos interesses ao representar a burguesia e não os trabalhadores”; 5) “Que não pertençam aos partidos oportunistas, populistas ou reformistas porque estes tipos de partidos não representam os interesses dos trabalhadores”.


Dos 46 candidatos apoiados pelo MST, nenhum foi eleito para o Congresso Nacional e 5 foram eleitos em suas respectivas Assembleias Legislativas. Foram eles: no Rio Grande do Sul, Adão Pretto (PT/RS); em Santa Catarina, Luci Choinacki (PT/SC); no Paraná, Pedro Tonelli (PT/PR); na Bahia, Alcides Modesto (PT/BA); no Pará, Valdir Ganzer (PT/PA).


No Jornal dos Trabalhadores Sem Terra, a posse dos deputados em 1986 foi muito comemorada. Centenas de pequenos agricultores e trabalhadores rurais lotaram as galerias das Assembleias para presenciar esse momento histórico. Para o MST, a posse desses deputados representava uma nova forma de fazer política, pois os legítimos representantes dos trabalhadores estavam presentes institucionalmente. Assim, destacava o jornal:


Sem pompa ou oba-oba, como fazem os deputados tradicionais, que só estão preocupados com possíveis mordomias ou vantagens que o cargo pode dar, os deputados lavradores mostraram muita disposição, assumindo o compromisso de colocar o mandato a serviço dos trabalhadores rurais, de lutar pela Reforma Agrária já e por mudanças que garantam uma vida mais digna para todos os brasileiros. 

Desde as eleições de 1986, o MST tem lançado candidaturas próprias ou se unido a outras organizações e partidos de esquerda para disputar eleições em diversos estados do Brasil. O movimento busca se comprometer com os interesses dos trabalhadores rurais e propor uma nova forma de fazer política, lutando por mais direitos para a população do campo. Em 2022, com a eleição da “bancada da Reforma Agrária” ou “bancada do MST”, o movimento passou a coordenar de forma mais centralizada e organizada sua participação direta na política eleitoral brasileira.


Os desafios para o presente e o futuro


Para as eleições de 2022, João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do MST, em uma reportagem no site do movimento, ressalta que “a decisão de lançar as candidaturas partiu da necessidade de fazer frente diante da grave conjuntura em que se encontra o Brasil nestes últimos anos”. Uma das principais pautas do MST na política eleitoral é a luta pela reforma agrária e pela regularização de terras para os trabalhadores rurais. O movimento tem defendido a criação de políticas públicas que beneficiem os agricultores familiares e os assentados da reforma agrária, como o fortalecimento da agricultura familiar, a garantia de crédito e assistência técnica, e a promoção de políticas de preservação ambiental. Além disso, o MST tem defendido outras pautas importantes, como a luta contra a violência no campo, a defesa dos direitos dos povos indígenas e quilombolas, a democratização dos meios de comunicação, e a defesa dos direitos das mulheres e da diversidade sexual.


Nas últimas semanas de março, após intensas negociações entre parlamentares e mesas diretoras das respectivas Assembleias Legislativas e da Câmara Federal, membros da bancada do MST conseguiram conquistar algumas posições em comissões temáticas ou especiais. Em Pernambuco, a deputada estadual Rosa Amorim (PT/PE) integra a Comissão Especial de Combate à Fome e é membro titular da Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular. No Rio de Janeiro, a deputada estadual Marina do MST (PT/RJ) ocupa a presidência da Comissão de Segurança Alimentar. No Ceará, Missias do MST (PT/CE) preside a Comissão de Agropecuária. E, no Rio Grande do Sul, Adão Pretto (PT/RS) integra a Frente Parlamentar pela Alimentação Saudável e é membro titular da Comissão de Agricultura, Pecuária, Pesca e Cooperativismo.


Na Câmara dos Deputados, Marcon (PT/RS) conseguiu a participação como membro titular da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Enquanto isso, Valmir Assunção (PT/BA) integra a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e atua como vice-líder da Federação Brasil da Esperança (PT/PCdoB/PV) na Câmara Federal.


A bancada do MST terá que enfrentar a forte bancada ruralista no Congresso Nacional, composta por grande quantidade de representantes. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), presidida pelo deputado Pedro Lupion (PP-PR), inicia esta nova legislatura com 344 parlamentares, sendo 300 deputados e 44 senadores, o que lhe confere grande poder de influência nas discussões no Congresso Nacional.


A influência do agronegócio se estende por diversas áreas da política, abrangendo desde a elaboração de leis e políticas públicas até a definição de agendas e prioridades governamentais. Em particular, o setor exerce forte influência nas políticas agrária e ambiental, na definição das políticas fiscais e tributárias, e na relação com os mercados internacionais, entre outras áreas de atuação. Essa influência é exercida por meio de diversas estratégias, incluindo a presença de representantes do setor em cargos públicos, a formação de bancadas parlamentares próprias, a atuação em organizações empresariais e em grupos de pressão e lobby. Desse modo, o agronegócio tem garantido forte presença na política brasileira, ocupando posições de destaque em todos os poderes do Estado. Desde a redemocratização do país, na década de 1980, o setor vem se organizando em torno de suas demandas e interesses, e hoje é um dos principais atores do cenário político nacional.


Para além dos desafios institucionais enfrentados pela bancada do MST, a violência no campo perdura. Trata-se de um problema histórico e estrutural diretamente relacionado à grande concentração fundiária no país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1% das propriedades agrícolas do país ocupa quase metade da área rural brasileira. Enquanto isso, milhões de trabalhadores rurais vivem em situação de pobreza e exclusão, sem acesso a terra, trabalho, educação e saúde.


Uma das maneiras encontradas pelos movimentos sociais para combater esse problema é a luta por uma reforma agrária. Infelizmente, essa luta tem sido marcada pela violência, pela criminalização dos movimentos sociais e pela impunidade dos grandes proprietários rurais. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 2016 e 2022, foram assassinados 98 trabalhadores sem-terra, 58 indígenas, 28 posseiros, 25 quilombolas, 25 assentados, 7 trabalhadores rurais, bem como outras 36 pessoas, entre pequenos proprietários, ribeirinhos e ambientalistas. Houve, ao todo, 273 mortes violentas ligadas a conflitos no campo no período.


Além dos assassinatos, a violência no campo também se manifesta na forma de ameaças, intimidações, despejos violentos, destruição de acampamentos e assentamentos, e na atuação de grupos paramilitares e milícias armadas a serviço dos grandes proprietários rurais. Essa violência tem consequências profundas para a vida dos trabalhadores rurais e suas famílias, que sobrevivem em condição de medo e insegurança, sem acesso aos seus direitos fundamentais.


Enfrentar a violência no campo é uma tarefa complexa e desafiadora, que exige a mobilização de toda a sociedade brasileira em defesa dos direitos humanos e da justiça social. A construção de um país mais justo e democrático passa necessariamente pela superação da concentração fundiária e pela garantia do direito à terra e à vida digna para todos.


Diante disso, na verdade, deveríamos perguntar: e qual será o papel do seu governo no combate ao agronegócio?


Créditos da imagem destacada: Cerca de 15 mil manifestantes do MST fizeram um protesto na Praça dos Três Poderes. Foto: José Cruz/Agência Brasil.


 

Nota:

[1] A deputada estadual Rosa Amorim participou de um episódio do podcast Decodificando o bolsonarismo, produzido pelo site História da Ditadura em outubro de 2022.

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