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Foto do escritorThiago Mourelle

O apoio de São Paulo a Getúlio Vargas no caminho para a ditadura de 1937

Em São Paulo, o feriado de 9 de julho alimenta até hoje uma memória dos paulistas enquanto legalistas e defensores da Constituição, capazes de lutar pela defesa dos direitos democráticos, contra um governo tirano. Com essas cores de fundo, a chamada Revolução Constitucionalista de 1932 ainda é rememorada.


Porém, um estudo mais profundo, que analisa o tempo histórico através de um olhar que vai para além do discurso oficial, nos revela que as coisas não são tão simples como parecem. E, em alguns casos, os fatos nos mostram não só outros lados da história, mas até que a própria história que nos contaram condiz pouco com o que se passou.


 Washington Luís, presidente do Brasil entre 1926 e 1930.
Washington Luís, presidente do Brasil entre 1926 e 1930. Wikimedia Commons.

Já é amplamente conhecido que as motivações dos paulistas para a revolta de 1932 foram outras, para além da defesa da reconstitucionalização do Brasil. Havia revanchismo pela deposição do paulista Washington Luís e pelo impedimento do também paulista Júlio Prestes, candidato eleito, em assumir o governo – o que se daria em 15 de novembro de 1930. A tomada do poder por Getúlio Vargas, semanas antes da posse do vencedor das eleições, impactou o domínio de São Paulo na política nacional. Além disso, a nomeação de interventores não paulistas e a indicação de novos impostos sobre o café, entre outras coisas, acendeu o desejo desse estado de se levantar contra Getúlio.


O que pouco se fala é que, quando assumiu a presidência em eleição indireta, em julho de 1934, Getúlio Vargas já contava com o apoio total e irrestrito da maioria da bancada paulista: justamente o Partido Constitucionalista de São Paulo. Este foi fundado a partir da luta de 1932 e, menos de dois anos depois, estava de corpo e alma ao lado do presidente. Não se via sombra da oposição de outrora.


A costura do acordo foi tratada com sigilo, pois havia temor de qual seria a repercussão na política interna do estado. Por fim, após publicizada, a aliança foi resumida na charge do genial Alfredo Storni, no jornal O Diário da Noite, mostrando o grande símbolo da união, que foi a entrega de dois importantes ministérios aos paulistas: o das Relações Exteriores ficou com Macedo Soares e o da Justiça, com Vicente Ráo.


No diálogo, o chargista Alfredo Storni faz menção ao fato de o Diário da Noite ter publicado, durante a Revolução Constitucionalista, reportagens dando a entender que São Paulo tinha razão em sublevar-se contra o Governo Provisório. Diário da Noite, 26/07/1934, p. 1. Hemeroteca, Biblioteca Nacional.
No diálogo, o chargista Alfredo Storni faz menção ao fato de o Diário da Noite ter publicado, durante a Revolução Constitucionalista, reportagens dando a entender que São Paulo tinha razão em sublevar-se contra o Governo Provisório. Diário da Noite, 26/07/1934, p. 1. Hemeroteca, Biblioteca Nacional.

A experiência de conviver com um Congresso Nacional atuante foi muito difícil para Getúlio, acostumado até então com os quase quatro anos em que governou por meio de decretos. No seu diário, reclamava não apenas da oposição, mas até dos próprios aliados, em razão dos favores pedidos em troca de apoio. Sentia saudades da ditadura de 1930-1934 – chamada pelos historiadores de Governo Provisório – diante do grande desafio de gerir o país com as dificuldades comuns a qualquer governo democrático, conforme mostro em livro lançado recentemente (Mourelle, 2023). O problema central era a necessidade de obter maioria na Câmara para conseguir a aprovação de seus projetos de governo, e aí é que entra a participação essencial de São Paulo.


A numerosa bancada do Partido Constitucionalista, de 22 deputados federais (contra 12 do Partido Republicano Paulista, PRP), se juntou ao Partido Republicano Liberal do Rio Grande do Sul e ao Partido Progressista de Minas Gerais como a espinha dorsal, o tripé, que foi fundamental para o aumento de poder do Executivo em momentos-chave, possibilitando a repressão nas ruas, o fechamento de sindicatos e a perseguição contra adversários políticos. Tudo isso já durante o governo constitucional.


O jornal O Estado de São Paulo, porta-voz dos rebeldes de 1932, também passou a apoiar a política do presidente, fato que recebeu duras críticas do PRP, partido forte na Primeira República, mas frágil tanto na Constituinte de 1933, quanto no Congresso montado a partir de 1934. Os deputados perrepistas, embora em minoria, foram ao plenário da Câmara em diversas ocasiões para ler edições do Estadão da época da guerra civil, relembrando discursos de políticos que, em 1932, chamavam Vargas de “usurpador”, mas que, em 1934, estavam ao seu lado para o que der e vier.


É importante ainda deixar claro que o apoio paulista a Vargas ocorreu não apenas de forma quantitativa, pelo apoio formal dos 22 deputados do Partido Constitucionalista – o que já seria extremamente importante, pois, à época, eram necessários 128 votos para se obter maioria simples. Houve também um apoio qualitativo, com São Paulo “vestindo a camisa”, apoiando ativamente o presidente. Cardoso de Melo Neto – líder da bancada de São Paulo –, Morais de Andrade e Valdemar Ferreira, três deputados muito atuantes na legislatura e todos do Partido Constitucionalista, realizaram ao todo 83 discursos a favor do presidente no período de julho de 1934 a maio de 1935. Em 23 de fevereiro de 1935, por exemplo, ao defender a Lei de Segurança Nacional da crítica de deputados de origem sindical, Melo Neto afirmou que o Estado deveria ter “ampliada sua esfera de ação” e que “o direito do Estado deve prevalecer sobre o direito do indivíduo”, para não se ter “um regime fraco”. Palavras que soaram como música para os ouvidos de Getúlio.


Aliás, esta que foi a primeira Lei de Segurança Nacional da história brasileira, e que viabilizou o aumento da repressão, teve como um dos “cabeças” do projeto, segundo a imprensa, o ministro da Justiça, o também paulista Vicente Ráo. Para ser relator da lei, na Câmara, outro paulista: Henrique Bayma. Assim, São Paulo, por intermédio de importantes parlamentares e ministros, garantiu que o governo de Getúlio Vargas obtivesse o que buscava desde a reconstitucionalização: a ampliação de seus poderes, de modo a obter possibilidades de ação perdidas desde o início do governo constitucional. O deputado Macedo Bittencourt (PRP), em 20 de julho de 1935, discursou na Câmara criticando o apoio da maioria paulista a Getúlio, dizendo que Vargas conseguiu a “conquista absoluta de São Paulo”.


Cartazes Revolução Constitucionalista de 1932.

O apoio de São Paulo é reafirmado em diversos outros momentos de crise do governo, inclusive no maior deles, em outubro de 1935, quando houve uma ameaça real da perda da maioria no Congresso, ao se intensificar uma crise política entre o presidente e o governador do Rio Grande do Sul, Flores da Cunha. O Partido Republicano Liberal deixou de prestar apoio incondicional ao presidente e as vitórias nas votações parlamentares ficaram ameaçadas. Na mesma época, um conflito em torno da eleição para governador do estado do Rio de Janeiro levou a bancada fluminense, em peso, também para a oposição na Câmara Federal, acusando o presidente de interferir indevidamente no pleito estadual. E, nesses momentos difíceis, São Paulo permaneceu fechado com Vargas.


O rompimento dos paulistas não ocorreu após a hipertrofia do Poder Executivo ou após a prisão de milhares de pessoas acusadas, muitas injustamente, de envolvimento nas revoltas de novembro de 1935. Tampouco quando o governo prendeu cinco parlamentares, em março de 1936, acusando-os de participação nos levantes, aplicando um forte golpe contra o Legislativo que soou como uma demonstração de força. Até o último minuto, os paulistas tentaram articular, inclusive, para que o governador de São Paulo, Armando Sales de Oliveira, fosse o candidato oficial do Palácio do Catete nas eleições previstas para janeiro de 1938.


São Paulo só se afastou de Getúlio Vargas após a confirmação de José Américo de Almeida como candidato do governo, quando ficou claro que Getúlio, de fato, não apoiaria o governador paulista. E isso só ocorreu no início de 1937. O que veio depois todos nós sabemos: o cancelamento das eleições, o início da ditadura do Estado Novo e a elite paulista, quando no retorno da democracia, em 1945, aderindo majoritariamente à União Democrática Nacional (UDN), partido de oposição a Vargas e a seu grupo político.


A partir daí, a narrativa antigetulista ganhou palco e se consolidou. Com o passar dos anos, a memória de São Paulo como bastião de resistência em 1932 e zelador da democracia foi fortalecida. Porém, como vimos, pouco se fala de seu apoio fundamental, entre 1934 e 1937, para o fortalecimento dos poderes do presidente, inclusive com a criação e aprovação da LSN e a chancela à enorme repressão governamental nas ruas.


Sem São Paulo, seria muito mais difícil para Vargas se fortalecer politicamente durante o governo constitucional a ponto de se articular para a execução de um golpe de Estado. Se Getúlio chegou forte em 1937, é inegável que conseguiu isso superando entraves políticos, muito em razão do auxílio dos parlamentares representantes de São Paulo. Se, por um lado, políticos paulistas, em regra geral, não apoiaram o golpe; por outro, ajudaram a pavimentar o caminho de Getúlio até lá.


 

Referências:

LOPES, Raimundo Hélio. As tropas do governo provisório na guerra civil de 1932: formação, estrutura e historiografia. Revista Antíteses, v. 15, p. 250-279, 2022.

MORAES, Francisco Quartim de. 1932: a história invertida. São Paulo: Anita Garibaldi, 2018.

MOURELLE, Thiago Cavaliere. A democracia ameaçada: a Câmara dos Deputados confronta Getúlio Vargas (1934-35). Rio de Janeiro: 7Letras, 2023.


Como citar este artigo:

MOURELLE, Thiago. O apoio de São Paulo a Getúlio Vargas no caminho para a ditadura de 1937. História da Ditadura, 10 out. 2023. Disponível em: https://www.historiadaditadura.com.br/post/o-apoio-de-sao-paulo-a-get%C3%BAlio-vargas-no-caminho-para-a-ditadura-de-1937. Acesso em: [inserir data].

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