O Encuentro CanciĆ³n Protesta (1967)
- Ivan Lima
- 5 de mai. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 24 de mai. de 2022
Entre julho e agosto de 1967, foi organizado na Casa de las AmĆ©ricas o Encuentro CanciĆ³n Protesta, que enviou a Cuba meia centena de cantores de vĆ”rias partes do mundo. Este evento foi liderado por HaydĆ©e SantamarĆa que, āen sua afĆ”n martiano de integrar las voces de la cultura discriminada, la de los pobres de la tierraā, convidava cantores que denunciavam a injustiƧa social e se encontravam dispersos, sem saber que faziam parte de um movimento e ignorados pelos meios de comunicaĆ§Ć£o.
A organizaĆ§Ć£o do evento fez parte de um movimento orgĆ¢nico de difusĆ£o da canĆ§Ć£o polĆtica pela AmĆ©rica Latina e foi justamente o alvo principal da organizaĆ§Ć£o no que concerne aos convidados. Participaram do festival nomes emblemĆ”ticos da mĆŗsica polĆtica latina, como os uruguaios do Los OlimareƱos, Alfredo Zitarrosa e Carlos Molina; os paraguaios do Los Guaranies; os chilenos Rolando AlarcĆ³n, Isabel e Angel Parra (filhos da famosa Violeta Parra); os argentinos Oscar Matus e RamĆ³n Ayala; a haitiana Martha Jean-Claude; o mexicano Oscar ChĆ”vez e o peruano Nicodemes Santa Cruz. O cubano Carlos Puebla foi o grande representante e anfitriĆ£o do evento.
Dos convidados vindos de fora da AmĆ©rica Latina, vale ressaltar as presenƧas significativas de John Faulkner (Inglaterra), Luis CĆlia (Portugal), Julius Lester (EUA), Jean Lewis (AustrĆ”lia), RaimĆ³n (Espanha), Della Mea e Marini (ItĆ”lia). E visto que um dos principais objetivos da canĆ§Ć£o de protesto idealizada para o festival era āla lucha de liberaciĆ³n de los pueblos contra el Imperialismo Norteamericano y el Colonialismoā, as participaƧƵes de Van Loc e Trang Dung y Phan Duong (VietnĆ£) foram das mais essenciais e simbĆ³licas. Uma das pautas de discussĆ£o do evento foi justamente aƧƵes de manifesto a favor do povo Vietnamita.
āEste festival, realizado entre julio y agosto de 1967, la Casa de las AmĆ©ricas consolidaba su relaciĆ³n con personalidades de la canciĆ³n latinoamericana, y contribuĆa a impulsionar movimientos, como los de la Nueva CanciĆ³n e la Nueva Trovaā. (GONZĆLEZ R. Juan Pablo, 2017. P.12)
O evento ā como tudo que se passara em Cuba no auge da Guerra Fria ā chamou atenĆ§Ć£o e despertou o cuidado das ditaduras implementadas naqueles tempos, principalmente na AmĆ©rica Latina. A retĆ³rica da Cuba comunista e da ameaƧa da vizinha vermelha se multiplicava nas mais variadas dimensƵes sociais e na canĆ§Ć£o nĆ£o foi diferente.
O Brasil
O caso brasileiro chama atenĆ§Ć£o nĆ£o apenas pela ausĆŖncia de cantores no evento de Havana, mas ainda por dois aspectos importantes: as aƧƵes de censura e investigaĆ§Ć£o da DivisĆ£o de Censura de DiversƵes PĆŗblicas (DCDP) direcionadas a tudo que se relacionasse a esse evento musical e o modo como o governo militar articulou com a direita brasileira para relacionar o conceito de ācanĆ§Ć£o de protestoā a algo subversivo e comunista.
Quem protesta nĆ£o Ć© necessariamente de esquerda ou comunista, mas no Brasil ā no universo da canĆ§Ć£o ā isso quase se tornou sinĆ“nimo. Esse imaginĆ”rio da canĆ§Ć£o de protesto foi tĆ£o bem construĆdo em torno de uma aura de esquerda que vĆ”rios cantores que nunca estiveram declaradamente alinhados ao comunismo ou ao socialismo acabaram por entrar no grupo de āesquerdistasā, simplesmente por serem enquadrados como cantores de protesto, como Caetano Veloso, por exemplo. Esse alinhamento tambĆ©m se dava no esteio dos festivais da canĆ§Ć£o realizados no Brasil, concomitantemente aos festivais na AmĆ©rica Latina, mas no caso brasileiro a atividade era bem mais restrita Ć uniĆ£o dos prĆ³prios brasileiros do que entre latino-americanos, como ocorria, em eventos no Chile, Uruguai e Cuba.
Curiosamente, no mesmo ano foi realizado na TV Record o emblemĆ”tico Festival da MPB (para alguns O Festival da CanĆ§Ć£o) que sagrou Ponteio (Edu Lobo/Capinam) como mĆŗsica campeĆ£ e teve como finalistas as mĆŗsicas Alegria, Alegria (Caetano Veloso) , Domingo no Parque (Gilberto Gil), Roda Viva (Chico Buarque) e Maria, Carnaval e Cinzas (Roberto Carlos). Esse evento Ć© lembrado pelas aƧƵes de rebeldia dos intĆ©rpretes ā como o violĆ£o quebrado por SĆ©rgio Ricardo ā e do pĆŗblico ā que vaiou, principalmente a apresentaĆ§Ć£o de Caetano Veloso ā e se tornou, no imaginĆ”rio nacional, um festival sobre o qual pairam ideias āsobre canƧƵes de protestoā.


A canĆ§Ć£o e o protesto
Nos anos 1960, vĆ”rios dilemas sociais que pareciam ser pauta de apenas um ou outro povo, encontraram-se em lutas e aƧƵes de ativismo social de muitos deles. Essas reivindicaƧƵes tiveram cada vez mais caracterĆsticas de uniĆ£o internacional, e a canĆ§Ć£o passou a ser uma aliada, uma arma para esses gritos de resistĆŖncia em aƧƵes de conscientizaĆ§Ć£o popular e de luta.
āAfinal, uma produĆ§Ć£o cultural nunca se realiza no vazio ou na esfera iluminada de um mĆ”gico espaƧo espiritual que paira e flutua nĆ£o se sabe bem onde. Toda produĆ§Ć£o nos aparece encarnada, num viver, do qual retira motivo, inspiraĆ§Ć£o, conteĆŗdo, forƧa, posiĆ§Ć£o de classe etc.ā (MOURA, 1981. P.7)
ā... como el importante papel que cumplimos en la lucha de liberaciĆ³n de los pueblos contra el Imperialismo Norteamericano y el Colonialismo. Esperamos que esta experiencia se repita en bien de la union de todos aquĆ©llos que en sus paĆses combatem atravĆ©s de lĆ” canciĆ³n. Los trabajadores de la CanciĆ³n de Protesta deben tener consciencia de que la canciĆ³n, por su particular naturaleza, posee un enorme poder de comunicaciĆ³n con las massas entanto que rompe las barreras que, como el analfabetismo, dificultan en dialogo del artista con el pueblo del cual forma parte.ā (ResoluciĆ³n final del Encuentro de la CanciĆ³n Protesta. Varadero, viernes 4 de agosto de 1967).
Passou-se a perceber na canĆ§Ć£o um instrumento polĆtico fluido e eficaz para o combate polĆtico, principalmente pelo momento de distribuiĆ§Ć£o das cantigas (expansĆ£o do mercado fonogrĆ”fico, rĆ”dios e programas musicais na TV) e das dinĆ¢micas ideolĆ³gicas no mundo. Na AmĆ©rica do Sul, as resistĆŖncias Ć s ditaduras, Ć s desigualdades e injustiƧas tambĆ©m tiveram versos e violas como aliados.
O CanciĆ³n Protesta nĆ£o foi o primeiro nem o Ćŗltimo festival realizado na AmĆ©rica Latina com essa perspectiva polĆtica. Vale lembrar os importantes festivais do Chile, em 1966 e 1968, alĆ©m dos movimentos no Uruguai e Argentina, em torno do mesmo perĆodo. Inclusive, os festivais anteriores e posteriores ao cubano āpermitĆam āestrechar los lazos de hermandad que unen a las distintas regiones del paisā, juntadas ahora por la magia de la Cancion autĆ³ctonaā (El Musiquero, 36, 12/1966. p.17)*.
Utopia e realidade
Dois aspectos extremamente relevantes desse encontro valem ser ressaltados alĆ©m de sua dimensĆ£o musical e de protesto.
A imersĆ£o dos cantautores pelo territĆ³rio cubano. As visitas Ć s vĆ”rias cidades e vilas, assim como a interaĆ§Ć£o com os projetos sociais inaugurados com o governo socialista, alinhavam ainda mais o canto e a escrita dos compositores aos seus ideais de liberdade e igualdade entre os povos. Segundo relatos da revista CanciĆ³n Protesta, os cantores viam suas utopias cantadas nas mais diversas partes do mundo, transformadas em realidade e prĆ”ticas sociais colaborativas. A canĆ§Ć£o, de fato, virara revoluĆ§Ć£o.
A interaĆ§Ć£o do lĆder cubano Fidel Castro nas atividades do festival. Fidel dialogava com os compositores, na apresentaĆ§Ć£o do projeto social implementado no paĆs por ele e os demais revolucionĆ”rios em 1959 e, principalmente, mostrava sensibilidade ao perceber a importĆ¢ncia daqueles mĆŗsicos, daquelas canƧƵes e daqueles movimentos em dimensƵes de sociedade e justiƧa social.

āSegĆŗn Rolando AlarcĆ³n, cuando Fidel Castro escuchĆ³ <Si somos americanos>, una de suas canciones que interpretĆ³ en el festival, afirmĆ³ que esa canciĆ³n āvalia mĆ”s que diez discursos politicosā.
A canĆ§Ć£o que chamou a atenĆ§Ć£o de Fidel ā escrita por Rolando AlarcĆ³n em sua passagem pelo MĆ©xico sobre o ritmo cachimbo chileno ā dizia:
Si somos americanos / somos hermanos, seƱores, / tenemos las mismas flores, /
tenemos las mismas manos.
Si somos americanos, / seremos buenos vecinos, / compartiremos el trigo, / seremos
buenos hermanos.
Bailaremos marinera, / refalosa, zamba y son. / Si somos americanos, / seremos
una canciĆ³n.
Si somos americanos, / no miraremos fronteras, / cuidaremos las semillas, /mira-
remos las banderas.
Si somos americanos, / seremos todos iguales, / el blanco, el mestizo, el indio / y el
negro son como tales.
Bailaremos marinera, / refalosa, zamba y son. / Si somos americanos, / seremos
una canciĆ³n


*
Certamente o festival irradiou influĆŖncias e aƧƵes polĆticas para diversas partes da AmĆ©rica Latina e do mundo todo. Vale lembrar que o cantor LuĆs CĆlia, representante de Portugal em Cuba e, na altura, exilado portuguĆŖs em FranƧa, foi um dos nomes mais ativos do ācanto de intervenĆ§Ć£o portuguĆŖsā. Ele conviveu e elaborou muitas estratĆ©gias de luta contra a ditadura salazarista em Portugal e, junto a cantores como JosĆ© MĆ”rio Branco e Manuel Freire, estampou, no dia 25 de abril de 1974, uma revoluĆ§Ć£o com trilha sonora de JosĆ© Afonso. āGrĆ¢ndola Vila Morenaā foi senha e trilha para a revoluĆ§Ć£o em Portugal que, com certeza, teve vĆ”rios ares do CanciĆ³n Protesta cubano. Como recitou um famoso ativista na campanha de Salvador Allende Ć presidĆŖncia chilena: āNo hay revolucion sin cancionesā.
CrƩditos da imagem destacada: Cartaz oficial do encontro, 1967. Acervo do autor.
Link para audiĆ§Ć£o das canƧƵes do Encontro:
ReferĆŖncias:
* La revista El Musiquero fue una de las publicaciones periĆ³dicas sobre mĆŗsica mĆ”s persistentes que se editaron en Chile. Publicada entre los aƱos 1964 y 1976
MOURA, JosĆ© Barata. EstĆ©tica da CanĆ§Ć£o PolĆtica. ColeĆ§Ć£o Movimento. Livros Horizonte, Lisboa, 1981.
GONZĆLEZ R. Juan Pablo. Chile y los festivales de la canciĆ³n comprometida. Boletin MĆŗsica #45, 2017.
OGAS, Julio. Ā«Nombrando LatinoamĆ©rica. RevoluciĆ³n y resistencia desde la nueva canciĆ³n al hip hopĀ», 2013.