Sobrevivendo à monografia
Atualizado: 29 de abr. de 2021
Você provavelmente já ouviu alguma história de um conhecido que cursou longos anos de faculdade, gastou tempo, dinheiro, reprovou, passou, trancou matrícula, voltou e… morreu na praia. Só faltava entregar a monografia e… nada. Tentou fazer, se enrolou, passou mais um tempo e… nada. Depois de tanto esforço não pegou o diploma porque foi incapaz de apresentar o trabalho final. Este texto contém algumas ideias para evitar que você seja o próximo a passar por essa situação. Compartilho aqui algumas estratégias que me ajudaram a completar a graduação, o mestrado e o doutorado, enquanto trabalhava.
1. FUTURO PASSADO
Na década de 1910, uma editora famosa contratou o historiador Douglas Freeman para escrever uma biografia sobre o General Robert E. Lee, figura central da Guerra de Secessão dos EUA (1861-65). Freeman também era jornalista e exerceu uma dupla jornada por 20 anos, até concluir seu Robert E. Lee: uma biografia, lançado em 1934 com 4 volumes. O livro conseguiu o impossível: virou bestseller, foi elogiado pela crítica e ganhou o prêmio Pulitzer na categoria biografias. No Brasil também temos alguns exemplos de pesquisadores que dedicaram muitos anos à escrita de grandes e ambiciosas obras. Esse tempo acabou.
O perfil dos trabalhos de fim de curso continua mudando. As exigências de produtividade acadêmica têm feito “a fila” andar cada vez mais rápido. Não pretendo entrar nesse debate de slow science vs. fast science, pretendo apenas pontuar uma realidade: monografias são feitas entre seis meses a um ano; mestrados em dois anos e doutorados em quatro. Isso incluindo disciplinas que você deve cursar ao mesmo tempo em que escreve o trabalho. Já há quem fale em diminuir esses prazos. Com o primeiro elemento definido, o tempo, passemos ao próximo.
2. MATERIALIZE SEU TRABALHO
Quando ingressei no mestrado, minha primeira pergunta ao orientador foi: quantas páginas deve ter uma dissertação? O professor disse à turma que não existia nenhuma regra formal de quantidade de páginas, apenas uma convenção. Pedimos então que ele explicasse essas “regras não escritas”. Taxativamente, ele nos disse que, na área de História, monografias de fim de curso geralmente tinham de 40 a 60 páginas, dissertações de mestrado por volta de 120 páginas e uma tese de doutorado com menos de 200 páginas era malvista. Agora você já sabe quantas páginas deve redigir. Digamos que você escreva uma página por dia, não incluindo fins de semana. Já dá para ter uma noção mínima do tempo que levará para concluir o trabalho. Obviamente, essa é uma conta simplória. Você vai precisar de muito mais tempo do que esses dias programados. Edições, revisões, adições, tudo dependerá da qualidade do trabalho que você produziu. Portanto, seu planejamento precisa de muita “gordura para queimar” em caso de emergência. Conheci um orientador que gostava de fixar prazos restritos para, em caso de desastre total, poder determinar que o orientando tivesse tempo de recomeçar todo um capítulo do zero, caso fosse necessário.
3. ESCOLHA UM BOM PONTO DE PARTIDA
A corrida para terminar seu trabalho pode ser realizada em condições muito mais favoráveis se você souber se planejar minimamente. Em primeiro lugar, há alguma noção do que você vai pesquisar? Há tema? Orientador? Quais são suas fontes? Elas estão disponíveis? Já conheci um graduando no Rio de Janeiro que escolheu um tema que implicaria seguidas idas a Brasília para pesquisar em arquivos. Outro que teria de ir até Portugal. Cuidado com o excesso de ambição: voos mais altos devem ser realizados na pós-graduação. Há uma necessidade de amadurecimento com o objeto de pesquisa para empreender projetos que demandam mais do orientando.
Na graduação, e até mesmo na pós-graduação, escolha o possível e acessível. Quando fui graduando, escolhi um tema cujos arquivos de pesquisa ficavam em bairros vizinhos ao qual eu residia. O fácil acesso é muito importante. Hoje em dia, temos vários conjuntos de arquivos digitalizados, como os disponibilizados pela Hemeroteca Digital. Se você tem acesso à internet, trabalha e tem muitas outras ocupações, dê prioridade a esse tipo de material ao pensar em um projeto de pesquisa. Reflita sobre as suas escolhas. Tenho colegas que pesquisavam no arquivo do Itamaraty, famoso por fechar suas portas por longos meses para reformas etc. Um primeiro olhar para o seu conjunto de fontes é fundamental para saber se há um trabalho viável a ser feito a partir delas.
4. O(A) ORIENTADOR(A)
Escolher bem o orientador é tão importante quanto escolher a pessoa com quem você vai se casar. No mundo acadêmico, ele não é seu amigo. Ele é o seu único amigo. Aquele que te dá todos os insights para conduzir seu trabalho da melhor forma possível e que está interessado no seu sucesso. Aqui vale a máxima de que o seu trabalho de orientando está sendo avaliado junto ao trabalho dele de orientador. Preferencialmente, escolha alguém que você já conhece, com quem já tenha realizado algum curso antes. O orientador evitará desastres e perdas significativas de tempo na realização do trabalho. Uma dica importante: você acha que trabalha muito? Multiplique isso por três e você saberá o que é a vida do seu orientador. Sendo assim, é você quem deve estar à disposição dele e não o contrário. Não deixe nada para a última hora, pois em muitas ocasiões o orientador não vai conseguir te ajudar em emergências acadêmicas que poderiam ter sido facilmente evitadas. Cumpra rigorosamente os prazos combinados e, em caso de imprevistos, não solte uma bomba no colo dele na última hora.
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5. MÃO NA MASSA
Vencidas as etapas iniciais, fixe metas absolutamente tangíveis e realistas. Você trabalha ou só estuda? Isso deve influenciar decisivamente as suas metas. Se você trabalha, não se preocupe. O Nelson Rodrigues escreveu toda sua obra no contraturno, depois de um dia de trabalho nas redações dos jornais. Minha meta era escrever uma página por dia. Observe: ela é simples, concreta, factível e permite o trabalho contínuo, evitando burnout. Isso me ajudava a calcular quanto tempo levaria mais ou menos para concluir partes do trabalho. Um sistema de metas é fundamental para o desenrolar de um trabalho que vai te tomar muitas horas de leitura e escrita. Existem dias em que você vai escrever um pouco mais, um pouco menos ou não vai escrever nada. Uma boa definição de metas permite também que você não se culpe por ter falhado em alguns dias. Se você trabalha e não consegue fazer nada durante a semana, escolha um dia do fim de semana para escrever e se prepare para escrever muito no período de férias (você talvez tenha que compensar o atraso). Sacrifícios serão necessários. Por duas vezes tive que trabalhar nas férias. Caso isso ocorra, divida esse período em dias de descanso e dias de trabalho. Organize-os da maneira que trouxer mais produtividade ao seu trabalho e o máximo de aproveitamento nos momentos de repouso e lazer.
Para controlar a evolução dos capítulos, eu utilizava uma cor diferente quando estava escrevendo a minha página diária. Conheça o simpático vermelho escuro que me fez companhia ao longo de anos de escrita. Pode parecer bobagem, mas essa simples estratégia te estimula no dia a dia, especialmente quando você trabalhou o horário comercial inteiro e está sentado em casa de noite fazendo essa tarefa, vendo que está quase completando a sua cota diária. No dia seguinte, todo o vermelho escuro virava preto e o processo se reiniciava. Fixe sua meta e siga ela à risca. Se você tem algum dia da semana que não trabalha e outro muito pesado, crie o seu próprio sistema de metas.
6. TRABALHO FLUINDO
Desde o início, escreva seu trabalho seguindo as regras da ABNT. Isso te ajuda a ter uma noção mais exata da evolução do seu trabalho. Se isso não for feito, você pode perder alguns dias colocando todo o trabalho final dentro dos padrões. Evite começar pela introdução. Ela deve ser a última a ser escrita. É muito comum o trabalho ir mudando ao longo da execução, ficando muito diferente do ponto de partida. Se você fizer a introdução primeiro, provavelmente vai ter que jogá-la na lixeira. Faça muitos backups online do trabalho. Na era da nuvem, é inadmissível perder trabalho porque o computador pifou, perdeu o pen-drive etc. Salve todo dia.
7. SEU MAIOR INIMIGO SE MANIFESTA
Você acha que tem de ler alguns milhares de livros e artigos antes de começar. Pare com a procrastinação e escreva. Para cada livro consultado, tenha em mente: de que forma e onde pretendo utilizá-lo no trabalho? Para cada livro, escreva algo. Não procrastine.
Imagine a seguinte situação: você começa a escrever o texto e o primeiro parágrafo está horrível. O segundo é uma desgraça, o terceiro faz você ter vergonha de si mesmo. Você apaga tudo e recomeça do zero. Continua com uma qualidade baixa. Você começa a se questionar se dá conta de realizar esse trabalho. Entra em pânico, chora, já pensa em marcar uma consulta com o médico. Sua desconfiança em si mesmo mina o trabalho. Você paralisa porque quer fazer algo perfeito. Pronto, você está bloqueado.
São muitos os que sentem algo parecido. Quando comecei a escrever minha monografia, a primeira página era uma vergonha, a segunda uma bomba, a terceira uma porcaria, até que eventualmente o ruim foi ficando razoável, o razoável foi ficando médio, e aí finalmente comecei a escrever laudas boas, elogiadas pelo meu orientador. E agora chegamos no ponto central: não faça pré-julgamentos do seu trabalho. Não apague o que você acha que ficou ruim. Esse trabalho de edição geral cabe ao seu orientador. Ele vai ser o juiz do seu trabalho. Somente ele tem a experiência para fazer isso. Fique muito atento aos feedbacks dele sobre seu texto.
Algo que foi muito impressionante no meu caso e que faz todo sentido com a ideia de que só se aprende a escrever escrevendo: meu projeto de pesquisa foi bem fraco, o primeiro capítulo não estava grande coisa e à medida que os meses passaram e o trabalho e a escrita amadureceram… cheguei em um último capítulo que foi elogiado pelo orientador, tendo pouquíssimas correções para fazer.
CONCLUINDO…
Existem diversos outros aspectos que eu poderia tratar aqui. Tentei levantar aqueles mais gerais e que causam mais impacto no desenvolvimento do seu trabalho. Essas ideias são fruto da minha experiência pessoal, do que vivi e vi entre colegas de graduação e pós-graduação. Não são regras rígidas e você tem todo o direito de discordar parcial ou totalmente delas. Mas, se algo aqui fizer sentido para você, use e adapte à sua realidade da maneira que lhe aprouver. Sai do insta e começa a escrever.
Daniel Accioly é doutor em História Social pela UFRJ, advogado e autor do livro Castello Branco. Atualmente é professor de História em escolas do Rio de Janeiro. É colaborador permanente do site História da Ditadura.
Crédito da imagem destacada: Photo by Cole Keister on Unsplash
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