Prazeres e desafios nos estudos de História e Música
Atualizado: 15 de out. de 2020
Nada mais prazeroso que estudar o que se gosta! Ainda mais quando o estudo trata de músicas, que chegam aos ouvidos tocando o coração e resgatando lembranças, gostos e cheiros. Mas isso é um começo de trabalho, que, garante a empolgação que faz o estudioso desse tema ultrapassar os inúmeros obstáculos que surgem no decorrer da pesquisa.
Abordar, de forma mais minuciosa, as relações entre a História e a Música parece, mais que tudo, muito divertido e, para quem gosta, de fato é. Porém, não só de diversão vive o pesquisador dessa área. Prova disso é que, não raras vezes, ao final do trabalho, o maior prazer é escutar o silêncio, tamanha a estafa…
Todas as pesquisas possuem leituras e práticas penosas, demoradas, difíceis, que fazem com que se pense, ora ou outra, por que é necessário passar por elas. É algo normal, em meio a um processo de médio a longo prazo de trabalho.
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Pesquisas na área de História, particularmente as acadêmicas, são compostas de amplo processo de aprendizagem, que passam pela definição de um objeto para estudar, pela elaboração de um projeto escrito, pela escolha de um professor para orientar o trabalho, por disciplinas para escolher e cursar, por uma grande carga diária de leituras e fichamentos, pela organização de um cronograma de atividades de pesquisa, por inúmeras idas e vindas a acervos, por apresentações de trabalhos em eventos acadêmicos e pelas redações de textos, resumos, relatórios e artigos até a escrita final da Dissertação, no caso de cursos de Mestrado, ou da Tese, para Doutorado. Enfim, é um trabalho que exige muita dedicação.
Estudar as relações entre a História e a Música requer um árduo trabalho de concentração, particularmente aos historiadores que, como eu, não são musicistas e pouco entendem de leitura musical. Concentração para ouvir as canções trabalhadas, umas, duas, três, quatro, cinco, seis… inúmeras vezes para compreender, assimilar e analisar as relações entre a letra e a melodia. Com a ajuda de um dicionário musical, ouvir atentamente os silêncios musicais, as entonações de voz, os arranjos, as entradas dos instrumentos musicais e as relações que eles estabelecem com a emoção que se pretende transmitir. Ouvir e anotar, ouvir e anotar, ouvir e anotar… insistentemente. Procurar sistematizar essas percepções musicais dentro da obra do cantor/compositor e inseri-las em um contexto sociocultural são os desafios do historiador leigo em teoria musical.
Por isso, o historiador de música precisa sempre estar com os ouvidos atentos e alertas. Para ele, escutar uma canção deixa de ser um ato somente prazeroso e passa a ser um ato analítico, mesmo que, por vezes, dadas às emoções que as canções sempre carregam, pode-se deixar levar … e se dança e se canta… mas, em seguida, é necessário retomar a concentração.
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As leituras teóricas, históricas e historiográficas são os suportes dessas percepções. É por meio delas que se entende as questões trabalhadas nas canções e com o que se deseja relacioná-las. A música será ligada à política, à indústria da cultura, à sociedade ou a economia? Ainda que de forma não tão “fechada” quanto parece, essas são definições essenciais que o projeto de pesquisa já deve apresentar, assim como que balizas teóricas serão utilizadas para o trabalho metodológico: que etapas deverão ser cumpridas? como serão cumpridas? em que tempo serão cumpridas? o que se espera do cumprimento dessas etapas?
Fontes musicais – como os áudios das canções e suas letras -, audiovisuais – no caso de shows ou entrevistas para a TV, de cantores, compositores ou produtores musicais – e de crítica musical, normalmente, encontradas na imprensa escrita, são os “tesouros” desses trabalhos, que podem ser “descobertos” nos arquivos escolhidos para a pesquisa. Por meio deles, podemos, às vezes literalmente, “escutar” as vozes do passado e, assim, construir a História no presente.
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Coletar e organizar essas informações é de fundamental importância para a sistematização da pesquisa. Ler e fichar atentamente cada material coletado é dar conta de mais um desafio: fazer análises das relações entre a música ouvida atentamente, o que se falou dela e, por fim, inseri-la e compreendê-la em um contexto histórico, dentro de uma linha teórica de pensamento, e temporalmente delimitado para o trabalho.
Feito tudo isso, restará ao historiador redigir sua pesquisa, a parte da construção histórica em torno do tema. Nesse momento, outros dilemas aparecem, pois é necessário dividir as ideias, inicialmente em capítulos, por meio da elaboração de um sumário, e, depois, em parágrafos , na forma de uma escrita coerente, que estabeleça todas as relações criadas.
Enfim, devido aos prazeres e aos desafios de estudar as relações entre a História e as canções, pode-se fazer o mesmo comentário de Mário de Andrade sobre a música brasileira, no início do século XX: “é um ruim gostosinho”.
Rafaela Lunardi é historiadora.
Como citar este artigo:
LUNARDI, Rafaela. Prazeres e desafios nos estudos de História e Música. In: História da Ditadura – novas perspectivas. Disponível em: http://historiadaditadura.com.br/destaque/estudos-de-historia-e-musica/. Publicado em: 28 Mar. 2017. Acesso: [informar data].
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